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Curso de Psicologia somou esforços à campanha de prevenção ao suicídio por meio de quatro dias de palestras remotas

No mundo são registrados mais de um milhão de casos a cada ano. No Brasil, são 12 mil. Cada número uma vida, uma história, um motivo para que determinado tipo de despedida seja evitado a partir da informação. Com esse intuito, desde 2014 o Brasil vive uma campanha de prevenção ao suicídio que leva o nome deste mês, mas se estende durante 365 dias: o Setembro Amarelo. Ela visa transformar o silêncio sobre o tema em diálogo, ponto de partida para conscientizar, prevenir e identificar fatores de risco. Inicialmente organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria, pelo Centro de Valorização da Vida e pelo Conselho Federal de Medicina, a campanha se estendeu para toda a sociedade. E a educação não pode ficar de fora deste debate. Com o objetivo de promovê-lo, a coordenação do curso de Psicologia do Unilasalle-RJ idealizou o evento Setembro Amarelo: Prevenção ao Suicídio, reunindo, de 21 a 24 de setembro, professores da casa, pesquisadores e especialistas com experiência clínica na intervenção, conduta e dinâmica diante do suicídio. Foi a estreia do curso à frente de uma semana de palestras, já que ele dá os primeiros passos de sua história no semestre 2020.2.


Pouco mais de duas semanas separaram o início das aulas dos quatro encontros remotos nos quais os graduandos conheceram mais acerca do suicídio, além de terem a oportunidade de estabelecer contato com futuros colegas de profissão. É o que frisa a caloura Jennifer Boquimpani, de 27 anos: “Acredito que para nós, alunos, participar de um evento voltado a uma área de extrema importância dentro da Psicologia, que requer atenção, não só dos psicólogos, mas de toda a sociedade, nos dá um grande incentivo na busca dos conhecimentos da mente humana. O evento aconteceu apenas 20 dias após as primeiras aulas, no entanto, o curso é tão fascinante que mergulhamos de cabeça. Ouvir psicólogos experientes nos deu um gás para construir o nosso caminho no Unilasalle-RJ pelos próximos cinco anos”.

UM MUSTANG AMARELO, O FENÔMENO MULTIFATORIAL, E OS TABUS A SEREM VENCIDOS

Em 1994, Mike Emme tirou a própria vida dentro de seu Ford Mustang, fabricado em 1967. O norte-americano do Colorado ainda não tinha idade para dirigir, morreu aos 17 anos, mas os conhecimentos em mecânica o fizeram se dedicar com afinco a restaurar o carro. A lataria ele pintou de amarelo. O veículo era um xodó. Dale e Darlene Emme, os pais, o descrevem como um jovem de bom coração, generoso, bem-humorado. Mas Mike passava por conflitos que não chegou a compartilhar com eles. E, por isso, na despedida, a tristeza se somou a uma ação: cartões com uma fita amarela, a mesma cor que o jovem escolheu para o seu Mustang, foram distribuídos contendo a frase “Se você está pensando em suicídio, entregue este cartão a alguém e peça ajuda”.

Quais motivos o levaram àquela decisão extrema? Nunca será possível precisar. Após a morte de Mike, foi descoberto que o seu namoro havia chegado ao fim e ele, possivelmente, convivia também com a depressão. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o suicídio é a segunda causa de óbito entre jovens de 15 a 29 anos. Considerando os casos envolvendo todas as faixas etárias, estima-se que 96,8% deles estejam relacionados a transtornos mentais, o que inclui o transtorno depressivo. A psicóloga Jesiane Marins, no entanto, alerta que nem todas as pessoas que pensam em suicídio estão deprimidas, assim como nem toda depressão chega a este estágio. A Doutora em Psicologia pela UFRJ e docente do Unilasalle-RJ abriu a semana de debates falando da doença, junto da amiga e também psicóloga Thatiana Valory. “O suicídio é multifatorial, assim como a depressão, que envolve a dimensão biológica, a psicológica e a social”, atestou Jesiane.

Thais Monteiro agrega a essas dimensões outras duas: a cultural e a socioeconômica. Mestre em Psicologia pela UFRRJ e especialista em Neuropsicologia, Thais falou no dia 23 de setembro sobre Suicídio e Abordagem Cognitiva Comportamental, somando sua participação à de Claudia Behar naquela noite. Assim como Jesiane, a psicóloga fez questão de desfazer o que considera a “tradição de relacionar o suicídio com os transtornos mentais”. “Temos essa relação sim, mas ela não é exclusiva, não é causal. O comportamento suicida se origina por múltiplos fatores e cada vez mais temos dados e trabalhos a respeito disso. Precisamos visualizar o suicídio como um momento único em que todos esses fatores podem estar convergindo para aquela culminância”, frisou, “O que normalmente os trabalhos com os sobreviventes do comportamento suicida indicam? Que existe no planejamento e no ato suicida o surgimento de pensamentos e sentimentos em relação a fracassos, derrota, desesperança e aprisionamento”.

O início da palestra de Thais foi com a exibição de um clipe da cantora Lady Gaga. Lançando em 18 de setembro, 911 aborda a experiência da cantora com os conflitos no âmbito da saúde mental. Em determinado trecho, a música diz: “Não consigo me ver chorar / Não consigo nunca mais me ver chorar novamente / Não consigo me ver chorar, este é o fim”. Já o verso final contém um apelo: “Preciso fazer uma chamada para o 911 (referente ao nosso 192, telefone de emergência) / Você pode consertar a linha a tempo?”. A psicóloga fez uma análise tanto da letra quanto do clipe, lembrando que no caso da própria Lady Gaga não se pode falar em um único motivo que a tenha levado, por exemplo, a autoflagelação. Além de transtornos mentais, a cantora já revelou ter sofrido um abuso sexual, portanto um fator externo, sobre o qual se calou durante 7 anos. 

Entram em cena os fatores de risco. Thais os sintetizou em três, passíveis de desdobramento: individuais, relacionados à família e aqueles considerados socioambientais, relativos ao entorno do indivíduo. No evento do dia anterior, a psicóloga Ana Cristina Fróes, por sua vez, listava como fatores de risco as tentativas anteriores de suicídio; os transtornos psicológicos e psiquiátricos; o estresse contínuo; o uso excessivo de tecnologia, aliado ao isolamento na relação intrafamiliar; o transtorno de estresse pós-traumático; e fatores familiares, como conflitos, negligência, abandono, abusos/ofensas, violência intrafamiliar, dificuldades de comunicação entre pais, filhos e cônjuges. Entre todos, os fatores familiares eram os que estavam em negrito na apresentação de Ana Cristina. Não à toa, afinal o tema de que tratou na semana foi A prevenção ao suicídio e o papel da família. Mestre em Política Social pela UFF e professora da casa, a psicóloga é também especialista em Terapia Familiar Sistêmica, atendendo em consultório crianças, adultos e casais.

“Nós nascemos dentro de uma família e esta família já está estabelecida dentro de uma comunidade. Esta comunidade está dentro de uma cidade, de um bairro, de um país e do mundo. Tudo está relacionado. O que eu sofro tem ressonância na minha família, o que a minha família sofre tem ressonância em mim, o que acontece na sociedade nos afeta. Essa é a Teoria Geral de Sistemas”, esclareceu Ana Cristina, “Portanto, se temos hoje o suicídio como uma questão de saúde pública, temos um problema universal. Não é só aquele indivíduo, é um universo que está sofrendo, em diversos níveis”.

Um universo dentro do qual diferentes universos, se pensarmos na complexidade que constitui cada sujeito, podem chegar até o ato de tirar a própria vida ou passar por recorrentes tentativas, em uma sucessão de experiências traumáticas. Mike foi um entre muitos,  citado tanto por Ana Cristina Fróes quanto por Andréa Tavares. Psicóloga psicanalista, Andréa participou da conversa que reuniu o maior número de palestrantes da semana. No dia 24, ela, Simone Ravizzini, Julio D’Amato e Maria Elizabeth Araújo debateram A questão do suicídio na contemporaneidade sob o olhar da Psicanálise. Em boa parte de sua participação, Andréa problematizou o que Ana Cristina também havia pontuado: os malefícios do silêncio que envolve o tema do suicídio. “O suicídio tornou-se durante muito tempo impronunciável, uma espécie de tabu, cujo silêncio não cala a angústia e a devastação dos que se lançam nos braços da morte”, disse ela se referindo às vítimas do suicídio para, em seguida, se referir também aos familiares: “A história de Mike e de muitos outros jovens revela o duplo trabalho de elaboração para quem fica: lidar com o luto da perda do ente querido e tentar dar um sentido frente ao que não pôde ser dito, mesmo quando restam cartas e mensagens de desculpabilização”.

É no preenchimento das lacunas que a Psicanálise age: “Uma das lições mais relevantes que a Psicanálise nos ensina, e que é preciosa nesses casos, diz respeito ao retorno do que não pôde ser simbolizado. Esse retorno incide no real de uma morte precoce. O real, para nós, vem dizer o que escapa ao simbólico, o que não podemos controlar”.


É crucial falar sobre o suicídio, e não apenas em setembro. Essa é uma conclusão compartilhada por todos os palestrantes do evento Setembro Amarelo: Prevenção ao Suicídio, mas a psicóloga Thais Monteiro propõe algo além. Para ela, mais do que falar é preciso ouvir. “Temos que escutar mais sobre comportamentos suicidas, escutar mais as pessoas. Nesse sentido, precisamos ampliar a nossa visão, a nossa escuta compreensiva, para, de fato, entendermos quais atravessamentos, quais enredamentos são esses, as diversas camadas motivadoras que fazem com que uma pessoa sinta a frustração e a desesperança extremas, vendo apenas uma saída para minimizar a dor: tirar a própria vida”, pontuou, sem esquecer de mencionar o atual cenário que vivemos: “Hoje, com a pandemia de COVID-19, estamos sentindo na pele toda esta pressão. Nós, da área, além de estarmos passando por isso, precisamos pensar sobre este contexto potencializador dos fatores de risco para, então, analisarmos como podemos amplificar a escuta, ajudando essas pessoas efetivamente”.

Ajudar é o que a aluna Jennifer Boquimpani quer fazer em breve. “Sem dúvida, o que me mais me marcou nesta semana foi ter a dimensão do papel do psicólogo diante do suicídio. O profissional não é onipotente, mas pode tentar auxiliar o sujeito a encontrar caminhos diferentes para lidar com o que está passando”, concluiu a futura psicóloga.

UM ESPAÇO PARA A ESCUTA NO UNILASALLE-RJ: NÚCLEO DE APOIO PSICOPEDAGÓGICO AO ESTUDANTE

Há 15 anos o NAPPE busca encontrar caminhos, como diz Jennifer, e ser escuta, como sugere Thais. Coordenado pelo professor Julio D'Amato, o núcleo fornece apoio psicológico para os estudantes da instituição e, em casos específicos, realiza o encaminhamento necessário. O serviço é gratuito, sendo realizado remotamente durante a pandemia de Covid-19. “Antes da pandemia, a ansiedade já era uma realidade na vida de muitos e, com esta situação, vem atingindo mais pessoas”, constata D’Amato, “Sinto que os nossos papos ao longo desses anos têm dado conta de sofrimentos, pelo menos no sentido mais pontual. Quando o aluno se vê acolhido pela instituição, já se tem aí o primeiro passo para ajudá-lo”.

Graduando, peça ajuda! O contato do professor Julio D’Amato é: julio.damato@lasalle.org.br

Por Luiza Gould

Colaborou: Lumis! Comunicação

Ascom Unilasalle-RJ

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