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Apelidada de Conpsic, semana de eventos do curso de Psicologia debateu o tema Saúde mental e Covid-19

É noite de estreia, como há mais de um ano. De novo inverno, ainda pandemia, o Google Meet como ponte. Os rostos dos professores, por trás das câmeras abertas, ainda traduzem a mesma expressão de entusiasmo, mas agora aqueles são contornos familiares. Suas vozes também são reconhecidas de longe. Elas não formulam mais sentenças apenas no futuro. O curso de Psicologia escreve a sua história no Unilasalle tendo o presente como tempo verbal há três semestres. Mas ainda há capítulos a serem chamados de novos. Por isso, em 23 de agosto de 2021, pode-se falar em estreia: é o início do Conpsic, o I Congresso de Psicologia, que a partir de agora aproxima os estudantes de quem já é formado e atua na área, em conversas sobre temáticas relevantes para a categoria profissional. Ao longo de cinco dias, tudo é descoberta, aprendizado e também oportunidade.

“Esse congresso é uma oportunidade de dizermos que nós viemos para contribuir com a constituição de uma sociedade mais fraterna, mais justa, mais sadia, que se preocupa com a saúde mental”, avalia o Irmão Jardelino Menegat, reitor do centro universitário, na abertura do evento. Regina Helena Giannotti, pró-reitora Acadêmica da instituição, lembra, por sua vez, da conexão que uma semana de debates representa: “Eu tenho a impressão de que esta atividade tende a ser realmente a marca de distinção do curso de Psicologia do Unilasalle-RJ, e vocês estão diante de uma excelente chance de troca, de crescimento, de enriquecimento, porque nem sempre, mesmo enquanto profissionais, será possível dialogar com pessoas da sua área de formação desta maneira”.

Confira abaixo alguns dos assuntos abordados nos encontros do I Conpsic:

Psicologia e pandemia

A abertura do congresso, no dia 23, contou com a fala de José Aparecido da Silva. Professor titular aposentado da USP, com pós-doutorado na Universidade da Califórnia, ele se propôs a refletir sobre uma pergunta cuja resposta não é simples, nem mesmo considerando uma vida dedicada à pesquisa: E agora, José? O que será da vida pós-pandemia? O “E agora, José?”, que titulou a conferência, tem sua origem no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, alude ao nome do palestrante, mas também a um personagem do Antigo Testamento, homenageado na ocasião: “Eu teria uma resposta para o problema que nos assola há quase dois anos se eu fosse o José do Egito, o homem mais inteligente que já conheci por meio das leituras. Era psicanalista, foi capaz de interpretar sonhos, tinha uma alta inteligência analítica e emocional”.


Metonímias à parte, nessa introdução fica evidente a multiplicidade que constitui o indivíduo (a esfera analítica, mas também a emocional, por exemplo), e que precisa ser considerada quando se trata da maneira como a pandemia afeta o ser humano. “Somos uma aldeia vivendo de incertezas”, afirmou José Aparecido ao citar que, para além da Covid, há a “pandemia da saúde mental”, a “pandemia da desigualdade”, a “pandemia da governança”. Nesse contexto, apesar do “medo, para não dizer ansiedade, depressão, estresse psicológico, síndromes, insônia”, “a espécie humana fez uso de sua grande inteligência e, num espaço curtíssimo de tempo, descobriu a vacina”. Se vem do homem a esperança, pode vir também a ameaça. “O empecilho é o comportamento, a hesitação, a resistência ao seu uso”, completou o professor.

Na pandemia, a ameaça pode vir da negação da ciência, mas também do aumento silencioso da violência. Na noite do dia 24, o bate-papo foi com a Dra. em Psicologia Ana Claudia Peixoto sobre o atendimento de menores vítimas de violência durante este período. Ana Claudia coordena o Laboratório de Estudos sobre Violência contra Crianças e Adolescentes (LEVICA), da UFRRJ. Criado em 2013, o laboratório conta com a formação dos alunos da graduação e da pós-graduação da universidade, sendo um espaço de prática. Sob a supervisão de professores, os estudantes atuam junto a essas vítimas e ainda acompanham famílias e cuidadores. “O LEVICA trabalha para reforçar os laços familiares. Ajudamos as famílias a se reorganizarem; elas passam a integrar um programa de nove encontros para aprender o que é a violência, seus tipos e consequências, como trocar a chinelada por uma educação positiva”, contou a docente, “Nas comunidades em que trabalhamos, muitas vezes famílias usam a punição física porque acham que é bom para a criança, pois também foram educadas assim. Mudar esse paradigma na mentalidade de um adulto não é simples. Por isso buscamos trabalhar com o desenvolvimento do relacionamento. Fazemos também intervenção, com uso de vários protocolos, um deles para crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual”.


As ações do LEVICA, em um primeiro momento, foram interrompidas com a quarentena, mas houve a retomada por meio de atendimentos remotos, principalmente de adolescentes em casas de acolhimento. Como reforçou Ana Claudia Peixoto, esse é um trabalho que não pode parar: “Em 2020, o número de notificações de violência contra a criança e o adolescente diminuiu. Paradoxalmente, porque nos cinco anos anteriores esse número só vinha aumentando. Isso chamou a atenção dos órgãos responsáveis e acendeu um alerta. Iniciamos uma série de campanhas para prevenir e conseguir orientar familiares, pessoas próximas para que, de alguma forma, pudessem proteger essas crianças”.

Experiências com a prática hospitalar

Quando a pandemia levou os hospitais ao limite pela primeira vez, Vinícius Darriba também teve que ir para casa. Uma semana depois, no entanto, ele estava de volta ao Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, onde é coordenador da residência em Psicologia. “A Covid enquanto emergência sanitária mudou bruscamente a rotina de uma sexta para uma segunda-feira. Uma das primeiras medidas foi afastar quem não era essencial para tratar os pacientes, evitando a contaminação. Mas, em muito pouco tempo, o comitê de crise do hospital constatou que precisava dos psicólogos, do nosso trabalho no CTI e nas enfermarias Covid. A dimensão do sofrimento psíquico se impôs e não só nos hospitais. Neste tempo tivemos um ponto de inflexão, uma nova percepção sobre a importância que se atribui à Psicologia”, constatou o palestrante.

A equipe de Darriba seguiu com o seu trabalho de oferecer escuta aos pacientes (agora repleta de equipamentos de proteção, conforme exigem os protocolos sanitários), mas também precisou atuar em outras frentes, como acompanhar as notícias de óbito. Um único familiar pode entrar no ambiente onde está o seu ente querido e precisa reconhecer o corpo de longe, o que gera incertezas e insegurança.

Nem tudo, no entanto, representou apenas desafio. Houve a possibilidade de “avanço em outros campos”, entre eles o campo da humanização (“Existe uma política nacional de humanização na saúde que deveria alcançar os hospitais, mas no Pedro Ernesto isso nunca foi algo institucional, estamos tentando nos articular agora. Mas entendo também que implica colocar em questão a própria formação dos profissionais da área”) e o campo dos cuidados paliativos (“Precisa haver uma luta dentro da saúde para não permitir que os cuidados paliativos se transformem apenas em uma especialidade. Lidar com a morte, com o incurável, envolve outros aspectos na sua posição como ator do que aqueles meramente técnicos”).


Apesar de todo esse panorama, a palestra de Vinícius Darriba, na noite do dia 27, tinha como foco a Psicanálise no contexto hospitalar. Em resposta à estudante Simone Bezerra, ele buscou desfazer alguns estereótipos no que se refere a este campo clínico e de investigação da psique humana: “Há essa discussão de associar a Psicanálise a um determinado setting, como se fosse imprescindível ter uma sala, um divã, tempo a perder de vista, bastante dinheiro para arcar com os custos do atendimento. Eu acho que conseguimos avançar no Brasil a ponto de ter superado essa questão, a partir do ensino do Jacques Lacan. Quando uma de minhas residentes foi ouvir e conversar com uma paciente à beira da morte por Covid, o que menos importou foi se a paciente pôde contar toda a história de sua vida ou não, pois foi um atendimento que durou uma tarde. Mas ali, sem um analista, talvez as coisas continuassem em uma paralisa por parte da paciente, da médica, de todos os envolvidos na cena”.

Na descrição de Darriba, o analista aparece como uma importante ponte. No dia 24 de agosto, a mesma palavra, “ponte”, havia sido usada para descrever a inserção do psicólogo no cotidiano de um hospital. Quem a empregou foi Marcely Quirino Souza, coordenadora do Serviço de Psicologia Hospitalar do CHN. “A Resolução CFP nº 13/2007 nos diz que a atuação do psicólogo hospitalar abrange ‘avaliação e acompanhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão ou serão submetidos a procedimentos médicos visando à promoção e/ou à recuperação da saúde física e mental’”, lembrou Marcely, explicando em seguida: “Esse lugar é da medicina cartesiana, mas nós entramos nele para realizar esse tipo de procedimento, que envolve a subjetividade, a dor do paciente. Atuamos na promoção e no direcionamento da relação médico-paciente, paciente-família, paciente-paciente, e do paciente em relação a todo o processo de adoecimento dentro do hospital. Traduzindo isso tudo, nós trabalhamos como pontes, dando voz à dor desse paciente, que não é apenas física. Muitas vezes é a dor da perda de um órgão, de um procedimento cirúrgico. A hospitalização despersonaliza a pessoa, a internação por si só gera perda de autonomia”.


Gerenciamento do estresse e felicidade

Certamente, a hospitalização também pode ser uma das situações que ativam o estresse. Na tarde do dia 24, coube a dois alunos do curso de Psicologia comandar uma oficina de gerenciamento do estresse. Estagiários do Núcleo de Apoio Psicopedagógico ao Estudante (NAPE), Jennifer Boquimpani e Gabriel Gargiulo se revezaram nas explicações e no esclarecimento de dúvidas. “A terminologia estresse vem da Física. Tenta imaginar uma corda: conforme ela vai sendo transformada, vai ficando cada vez mais próxima de esgarçar. Quando você estressa aquele material demais ele rompe. O estresse é uma reação física de adaptação a uma situação com a qual você não está preparado para lidar. Assim como a ansiedade, o estresse estimula a tomada de decisão de luta e fuga”, esclareceu Gargiulo.

O bate-papo contou ainda com explicações de Jennifer sobre a atuação do sistema nervoso central nessas situações e dicas de como lidar com o estresse, a partir de estratégias de curto e de longo prazo. Entre as técnicas listadas pelos alunos estão: questionamento socrático (a capacidade de tentar entender os seus pensamentos e o que te deixa estressado, uma estratégia da ordem cognitiva); meditação (que permite a você centrar-se no agora, ao invés de ficar ansioso em relação ao futuro); exercício físico (produtor de betaendorfina, hormônio capaz de trazer sensação de tranquilidade e bem-estar); alimentação saudável (rica em verduras e minerais, que o estresse leva o corpo a perder); investir na respiração diafragmática (pelo abdômen) e na respiração profunda (expansão dos pulmões ao máximo, com inspiração pelo nariz e expiração pela boca).


Cuidar da saúde mental é imprescindível na busca por melhor qualidade de vida e, por que não dizer, pela felicidade. A palestra de encerramento do I Conpsic tratou exatamente desse tema. No Dia do Psicólogo, 27 de agosto, a cientista social e política Marta Moraes Bitencourt pediu licença poética aos profissionais e estudantes da área para “falar amorosamente sobre experiências boas de compartilhar, falar das coisas boas que aprendi, sem nenhuma pretensão de ensinar a receita da felicidade”.

Para isso, a assessora em gestão administrativa e acadêmica das IES da Rede La Salle recorreu às suas próprias memórias, mas também à poesia de Cora Coralina, à pintura do artista brasileiro Dennis Esteves, à música de veteranos como Moraes Moreira ou de novos talentos, como Vicka. Marta mencionou palestras: “Eu assisti a um TED com o neurocientista e psicólogo Richard Davidson, e lá em 2019 ele dizia que um dos desafios da sociedade moderna, com impacto direto no nosso bem-estar, é a perda de significado, de propósito”. Ela compartilhou ainda os resultados de uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Harvard: “Foi um estudo sobre a felicidade, feito por mais de 70 anos, com visitas e entrevistas a pessoas ricas e pobres. Os autores concluíram o que pode ser sintetizado em uma frase: ‘os relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis’. Conexões sociais são muito boas para nós e a solidão não. A qualidade dos relacionamentos mais próximos é o que mais importa, pois viver no meio de conflitos é tóxico. Relações boas e reconfortantes nos protegem”.


Com Marta Bitencourt, o I Congresso de Psicologia do Unilasalle-RJ chegou ao fim imbuído de um dizer. De fácil acesso, encontrado na internet, porém profundo. “Mas o que é um psicólogo, tia?”, diz a frase escrita em um pedaço de papel. Eis a resposta: “É um tipo especial de GPS que te leva até você”. Na história que o curso de Psicologia começou a escrever há um ano, já há capítulos para os alunos compreenderem a responsabilidade da profissão que escolheram.

Confira fotos do Congresso

Por Luiza Gould
Ascom Unilasalle-RJ

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