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Quando pensamos na “descoberta” do Brasil, o que se vem à mente são imagens de índios e colonizadores, Pedro Álvares Cabral e caravelas chegando àquela região, até então desconhecida pelos europeus. As aspas não são por acaso. Afinal, antes de qualquer português, o território extenso em riqueza de fauna e flora era o abrigo de moradores que conheciam as terras como a palma de suas mãos.

Fazer com que os representantes indígenas protagonizassem suas próprias narrativas foi o objetivo da documentarista e jornalista Maia Lannes ao produzir “Ymã Arandu”, o trabalho vencedor do Festival de Curtas do Unilasalle-RJ. O desafio era conseguir apresentar material em formato audiovisual, com até 20 minutos de duração, tendo como foco histórias não ficcionais. O festival foi pensado como uma das atividades no esteio das comemorações pelos 15 anos de instituição.

Dos cinco concorrentes, o que mais agradou os jurados foi o minidocumentário contendo depoimentos de representantes indígenas. Em entrevista ao site do centro universitário, a diretora e produtora do curta explicou toda a importância de conhecermos o passado escondido que revela a verdadeira história do Brasil.

Unilasalle-RJ: De onde surgiu a ideia de criar um curta voltado para a valorização indígena? 

M.L.: Segundo a história oficial, o Brasil começou no dia 22 de abril de 1500. O antes não existiu. O depois foi contado a partir de uma única visão. A proposta surgiu a partir de algumas perguntas, dentre elas “Como seria a história do Brasil se contada pelos povos indígenas?” e “Qual seria a interpretação indígena das imagens utilizadas, ao longo dos tempos, para construir a narrativa oficial?” Falar sobre os povos indígenas já não é mais o único ponto de debate, pois em 2008 foi sancionada a Lei 11.645, que torna obrigatório o seu estudo nos Ensinos Fundamental e Médio, tanto na rede pública, quanto na rede privada. A grande questão que se coloca ainda é qual história se contará? O documentário surgiu a partir dessas indagações, do material de arquivo encontrado e das falas de representantes indígenas refletindo sobre o assunto. Mas sei, e isto é desejável, que cada pessoa ao vê-lo criará um outro filme com suas próprias reflexões.

Unilasalle-RJ: Do seu ponto de vista, qual a importância do vídeo para a sociedade?

M.L.: Porquanto os meios de comunicação disponíveis favoreçam a produção e o acesso a informações variadas, o fato é que certos temas, como o indígena, ainda possuem pouca visibilidade. A indústria da informação e do entretenimento opera por princípios seletivos nos quais a informação se torna um produto. Uma possível resposta a essa situação é manter um olhar crítico e estar consciente dos seus mecanismos de atuação. Uma outra é ser não só criativo quanto buscar caminhos alternativos no ato de criar, de consumir e disseminar a informação. Mas um filme e, principalmente, um curta, não é fechado. Na verdade, é importante que as perguntas continuem e a busca por suas respostas.

Unilasalle-RJ: Você é aluna da pós-graduação em cinema e documentário da Fundação Getúlio Vargas. Como e quando surgiu esse interesse por cinema?

M.L.: Eu cresci no interior de Minas Gerais, onde a cultura oral prevalecia. Só aos 7 anos, por exemplo, tive contato com a televisão. O ato de ouvir e contar histórias foi uma experiência de iniciação àquilo que mais tarde viria a conhecer como cinema. Na minha infância, mesmo sem televisão, a imagem possuía uma importância fundamental. Quando se caminha, na perspectiva da linha do horizonte, se tem uma visão do mundo. Quando se sobe numa árvore, o mundo muda completamente visto lá de cima. Essas diferentes formas de olhar para o entorno têm a ver com o cinema, pois correspondem a um certo tipo de enquadramento e a um movimento de câmera. Depois, quando se olham os galhos de uma árvore refletidos numa poça d’água formada pela chuva, a imagem fica diferente, não é mais realista, mas assume uma qualidade onírica. Todas essas experiências educam o olhar, a mente e a imaginação. Mais tarde, estudei e me formei em jornalismo, pela UFF. Como jornalista, trabalhei em jornais e canais de televisão. Depois, passei a trabalhar de forma independente, em projetos de produção de vídeos e também como fotógrafa. O curso de Pós-Graduação em Cinema Documentário da FGV é uma continuidade no processo de educação do olhar. É também uma forma de agregar conhecimentos para realização do meu trabalho como documentarista. Todas estas experiências contribuíram para minha formação. Na verdade, não existe “saber menor” e “saber maior”, pois o conhecimento é circular. Os caminhos de aprendizagem são infinitos. Portanto, a minha escolha pelo cinema documentário resulta de todas essas vivências e, mais ainda, a possibilidade de criar um lugar de fala com o “outro”. Além disso, posso trabalhar de forma independente e incorporar no meu processo criativo o “acaso”, algo que acontece, que você não planeja, mas que precisa estar preparado. As narrativas acontecem a todo momento ao nosso redor, basta saber ouvir e olhar o mundo de forma atenta.

Unilasalle-RJ: Você inscreveu o curta "Ymã Arandu" em outros festivais? Se sim, qual foi o retorno?

M.L.: Inicialmente, inscrevi-me no edital do Núcleo de Audiovisual e Documentário FGV/CPDOC por ocasião da 3ª Oficina de Produção Audiovisual. O edital estava aberto para candidatos de todo o Brasil e o meu curta ficou entre os quatro finalistas. O documentário “Ymã Arandu” foi também selecionado para participar do 3º Arquivo em Cartaz - Festival Internacional de Cinema de Arquivo, realizado pelo Arquivo Nacional, que acontecerá em breve.

Unilasalle-RJ: Como foi a produção do curta?

M.L.: Uma semana após a oficina, iniciei as pesquisas para obter o material de arquivo - imagens fixas (fotografias, mapas); imagens em movimento (filmes); documentos textuais (jornais da época) e trilha sonora no CPDOC (FGV), Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, FUNARTE, CTAv e Museu do Índio. Passei várias semanas nos arquivos pesquisando e selecionando o material de arquivo. Utilizei também material de arquivo pessoal, que havia obtido, anteriormente, em viagens pela Amazônia. Realizei duas entrevistas com representantes indígenas: David Guarani, da Aldeia Tekoa Pyau, do Parque Estadual do Jaraguá, em São Paulo, e Cristiane Pankararu, que é de Pernambuco, mas é aluna do curso de Antropologia do Museu Nacional-RJ. Na estrutura do roteiro, optei pelos depoimentos em lugar da narração descritiva em off por considerar importante que os representantes indígenas sejam os protagonistas de suas próprias narrativas. Terminadas as pesquisas do material de arquivo e as entrevistas, comecei a fazer a edição de todo material, que foi um processo de intensa dedicação. A realização desse documentário foi, em muitos sentidos, um trabalho solitário, em suas diversas etapas. Finalmente, depois de terminar o projeto, inicia-se uma outra etapa, que é a de compartilhamento com o público.

Unilasalle-RJ: Por que decidiu se inscrever no Festival de Curtas do Unilasalle-RJ? Você esperava ganhar? Como foi receber a notícia de que você tinha ganho?

M.L.: O próprio CPDOC-FGV realizou a inscrição do documentário no Festival de Curtas do Unilasalle-RJ. Participar do Festival já em si é uma experiência gratificante por vários motivos: acredito que o tema relacionado a questões indígenas é relevante e mereça visibilidade; eventos como esse permitem conhecer o trabalho de outros realizadores; o fato do Unilasalle ser uma instituição de ensino, voltada para o compartilhamento da informação e do conhecimento. Quando eu recebi a mensagem dizendo que” Ymã Arandu” havia sido escolhido como o ganhador do festival, eu pensei nas pessoas que contribuíram, direta ou indiretamente, para que o documentário pudesse ser realizado. Pensei nos representantes indígenas que contribuíram com suas falas e seus cantos, como também, em todos os povos indígenas que aparecem nas imagens, silenciosos, e que nos contam as suas histórias apenas com o seu olhar. A todos eles o meu mais profundo agradecimento. Agradeço Unilasalle-RJ, e ao CPDOC (FGV) pela iniciativa de abrir este caminho. Espero que muitos possam por ele trilhar compartilhando as suas histórias.

O público poderá conferir “Ymã Arandu” no próximo semestre. O curta será exibido no retorno às aulas, em março. 

Por Camila Reis/ Revisão Luiza Gould

Fotos: Prints do curta Ymã Arandu 

Ascom Unilasalle-RJ

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