- Saiba como foi a sexta participação do Unilasalle no Projeto Rondon
- Relatos dos alunos
- Diário de bordo Roberto Primo
- Diário de bordo Suenne Righetti
São Miguel do Tapuio, Piauí. Esse foi o destino de Amanda, Danilo, Luana, Luis Carlos, Ramon, Tamara, Thiago e Vanessa. Com suas camisas amarelas, disposição para dar o melhor e coração aberto para aprender, viveram ali a experiência de serem rondonistas. E puderam contar, como de costume, com a liderança de Suenne Righetti e Roberto Primo. A missão dos docentes à frente do Projeto Rondon no Unilasalle-RJ passa pela dedicação à escrita de projeto, seleção de quem participará, planejamento de oficinas junto dos alunos e orientação de como eles as aplicam durante as duas semanas de voluntariado longe dos grandes centros urbanos.
Confira nesta matéria o diário de bordo dos professores e depoimentos dos protagonistas da sexta participação lassalista no programa do Ministério da Defesa. Ligando a tessitura das lembranças de cada um, estão vidas extraordinárias de moradores do interior do Piauí. “De todas as histórias que ouvi, a que mais me agrada é de como a avó da Dona Francisca chegou no quilombo, lutou contra a onça e conquistou sozinha as águas que brotam no chão. ‘O quilombo é lugar de mulheres fortes’. Eu nunca duvidei”, relata Tamara Lins, aluna de Administração. Confira:
Antes de ir, soube que o melhor a fazer era escrever sobre todos os momentos do Rondon na hora, porque com tempo as coisas ficariam menos nítidas na minha cabeça. Até agora me deito e, ao acordar, fico achando que a Dona Conceição vai estar na cozinha me esperando com o maior sorriso do mundo. Não ter medo do Potó faz minha vida sem graça. E a saudade de todos os dias achar que não vai ter nenhum aluno e, ao chegar na Escola do Canto, me deparar com a sala cheia. O Piauí me conquistou. Estar em um assentamento me fez perceber que a vida é simples. A realidade de Palmeira de Cima é dura, me causou incômodo não poder fazer mais por eles. O mais incrível foi perceber que a felicidade deles não está em nada que eu possa oferecer. Em São Miguel do Tapuio, descobri que a gente não precisa de muito para viver feliz. Na comunidade quilombola de São Vicente, aprendi sobre o reisado, uma festa muito linda com teatro, danças e comidas típicas. Segundo o Sr. Manoel, eu só vi um pedacinho, porque a festa dura a noite inteira. Infelizmente não tínhamos tempo para todas as apresentações. Conhecemos as frutas e árvores da região nesse dia, um buriti veio comigo para o Rio, mas eu queria mesmo era que a Dona Francisca tivesse vindo. De todas as histórias que ouvi, a que mais me agrada é de como a avó da Dona Francisca chegou no quilombo, lutou contra a onça e conquistou sozinha as águas que brotam no chão. “O quilombo é lugar de mulheres fortes”. Eu nunca duvidei. As pessoas me dizem que já participaram de muitos projetos sociais, e que fazem uma ideia do que é o Projeto Rondon. Participei de projetos incríveis a vida toda. Nenhum, nunca, jamais, chegou perto do que é o Rondon. As pessoas também não entendem os vínculos que criamos. Dezessete dias dormindo e acordando todos os dias com as mesmas pessoas, dividindo banheiro, comida e carinho. Viramos uma família, com direito a tia doida e parentes que moram distante, uai. A experiência mais intensa e linda que já vivi. Me dói saber que não dá para ir de novo, mas me doeria muito mais se o ciclo se encerrasse em mim. Vocês precisam saber sobre esse projeto, as pessoas precisam viver isso. Aposto que minhas palavras não fazem sentido, mas quando você voltar da operação, me procura para descobrir o que eu fiz com a vontade de me mudar para o Piauí e nunca mais voltar. Tenho certeza que você vai precisar do colo de uma irmã!
Ao chegarmos à cidade de São Miguel, fomos muito bem acolhidos na escola, sem percebermos, já chamávamos de “nossa casa”. Dividimos a “nossa casa” com um grupo de estudantes da área de saúde da UFSJ, de Minas Gerais. Uma galerinha muito legal que reforçou ainda mais esse sentimento de casa e grande família. Fizemos grandes amizades e integramos essas duas culturas Rio-Minas. A natureza da caatinga era belíssima e muito diferente do que estamos acostumados aqui. O café e o abraço da Dona Conceição de manhã eram melhor ainda, aliás as refeições e os suquinhos de acerola e maracujá repuseram todas as energias. Ao longo das semanas, ministrei oficinas diversas como “Meio ambiente e gestão”, para os mais distintos grupos de alunos desde o grupo quilombola São Vicente até funcionários da prefeitura. Fomos recebidos com muita festa e todas as oficinas ficaram cheias de alunos. A experiência com as oficinas foi ótima, pois os alunos estavam muito interessados no que tínhamos para falar e nos deixavam à vontade numa engrandecedora conversa para ambos os lados. Ao final de cada uma, era como se fossemos verdadeiros famosos, todos queriam tirar uma foto conosco. O orgulho de cada um segurando seus certificados com seus nomes era lindo de ver. Para mim o mais importante foi conseguir plantar nos corações da população a esperança de um futuro melhor, com a vontade de buscarem novos conhecimentos. Fiquei impressionada também com a forma como os homossexuais eram tratados por lá. Por ser uma cidade de interior, imaginei que o preconceito fosse muito maior do que aqui na metrópole. Porém fui muito bem surpreendida. Alguns momentos foram marcantes. Após a oficina que ministrei, um aluno foi buscar livro sobre o tema em outra cidade, pois ficou encantado com a forma como expliquei o assunto, até então muito complexo para ele. Já depois do meu retorno à Niterói, um outro aluno me chamou no whatsApp pedindo ajuda para fazer seu currículo. As memórias de um povo tão carinhoso, fazem eu sentir que nunca devemos desistir do próximo, nem de nós mesmos. São inúmeras as emoções que senti, mas posso resumir o que levo daquele povo em duas palavras: CARINHO e GRATIDÃO.
Quando conheci o projeto, eu não imaginava que a experiência de ser rondonista era tão agregadora de valores e a dimensão que toma na vida de cada um. Pensei muito que era mais uma ação social, algo para dizer: “Ok, estamos fazendo algo pelo próximo”. Dei com a cara na parede com tamanha ingenuidade. Descobri um Brasil de pessoas que vivem com pouca ou nenhuma oportunidade, mas que querem muito aprender e veem no conhecimento uma forma de mudança e melhoria; que apesar de suas lutas diárias não se deixam abater e estão dispostas a trabalhar cada dia com garra pelo seu espaço e ter seu merecido respeito. Fui acolhido e amado de uma maneira que não está escrito em lugar algum, só se pode ser sentido e vivido. Enfim, conheci um Brasil que quer e tem esperança em dias melhores e, por algum tempo, fiz parte desses dias melhores. Porém, no final trouxe na bagagem muito mais do que deixei. Aprendi muito mais que ensinei e entendi a importância de conhecer, antes de falar.
Tentar explicar o que é o projeto Rondon para uma pessoa que não vivenciou é uma tarefa muito difícil. O que pode-se dizer é que, sem dúvida, você aprende mais do que ensina, você mescla culturas, jeitos e manias. O Rondon é uma troca de sabedoria entre os envolvidos, entre os próprios rondonistas, e entre os rondonistas e a população local, que nos acolhe sempre com um sorriso cheio de esperança. Quando chegamos no município, somos recebidos com o que aquele lugar tem de melhor, e sempre tentamos retribuir da mesma forma, sempre buscando deixar o lugar melhor do que quando chegamos. O rondonista se entrega de corpo e alma, dá o seu melhor, e absorve toda a sabedoria passada de forma grata. Sair da sua zona de conforto e ir para o interior de um estado no Nordeste do país não é a tarefa mais fácil do mundo. Mas, o seu resultado é o mais gratificante possível. Saímos carregando um pedaço do município em nossos corações, e deixamos um pedaço de nós no município. Isso é o Projeto Rondon.
Tenho por hábito fazer uma contagem regressiva até o dia do embarque. Isso deixa todos ansiosos e doidos para que a operação comece logo. No dia 18 de janeiro, nos encontramos conforme combinado, na porta do Unilasalle, às 6h, para embarcarmos juntos na van que nos levaria ao aeroporto. A equipe desta vez foi composta pelas alunas Vanessa Souza e Tamara Lins, do curso de Administração, Thiago Glaser, de Ciências Contábeis, Ramon Santo e Danilo Correa, de Engenharia Civil, Luis Santos, de Engenharia Elétrica, Amanda Pinheiro e Luana Braga, de Engenharia de Produção, além da professora Suenne Righetti e eu, professor Roberto Primo.
Primeiro sufoco foi embarcar uma enorme quantidade de malas, pois além das nossas roupas, levamos muito material. Fizemos escala em Brasília e nos encontramos com mais algumas equipes que vieram de outros lugares deste Brasil continental. Nesta operação, participaram estudantes do Amazonas, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e nós, os únicos do Rio de Janeiro; com um total de 311 rondonistas.
Chegamos em Teresina por volta das 14h. Fomos recebidos pelos militares e conhecemos o nosso “anjo” (apelido dado aos sargentos que acompanham, cada um, duas instituições. O responsável pela Unilasalle-RJ e pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), durante a estadia no município São Miguel do Tapuio, foi o sargento Jhonson). Ele nos embarcou no ônibus e nos levou ao quartel do 25º Batalhão de Caçadores. Almoçamos no rancho (uma descoberta para os alunos) e depois nos alojamos. O alojamento masculino abrigava 119 pessoas entre professores e alunos. Ele continha ventiladores, beliches e bons banheiros, mas o calor era muito grande. Teresina possui temperaturas altas. O tempo no quartel é bom para que as equipes se conheçam. Não só as que irão trabalhar juntas no mesmo município, mas as outras também. É uma chance única de conhecer pessoas de todo Brasil e montar um networking para o resto da vida. Durante estes 11 anos de participação no Rondon fiz amizades assim pelo país e gostaria que os alunos também aproveitassem este momento.
Ficamos no quartel até o domingo de manhã. Acordamos às 5h, tomamos café e nos dirigimos aos ônibus que nos levaria a São Miguel do Tapuio. Neste embarque, a orientação é sair do alojamento para tomar café com toda bagagem e deixá-la ao lado do ônibus. Nosso ônibus com as equipes da UFSJ e Unilasalle foi o primeiro a partir do quartel. Lá fomos rumo a São Miguel do Tapuio, onde chegamos após quase quatro horas de viagem com uma parada para beber água de coco. O nosso município era o mais distante da capital nesta operação. Fomos recebidos por secretários da prefeitura, vereadores, três funcionários da escola que nos alojou e alguns moradores em uma cerimônia de boas-vindas. Desembarcamos as malas, ocupamos três salas de aula para dormitório e mais uma para o material que levamos. Daí em diante, foram duas semanas de muito trabalho, aulas nos turnos da manhã, tarde e noite de diversos assuntos. Na primeira semana, trabalhamos em um assentamento chamado Palmeira de Cima e na comunidade quilombola de São Vicente. Ambos nos receberam com músicas e danças tradicionais. Vimos inscrições rupestres datadas de mais de 12 mil anos atrás, comemos frutas como pitomba e bebemos muitos sucos.
O que mais me marcou nesta Operação foi quando ouvi de um quilombola: “Professor, aqui nós produzimos tudo que precisamos, somos autossuficientes. Aqui não tem miséria. Me faça um favor, quando voltar para o Rio. Conte lá o que o senhor viu aqui para eles não acharem que somos miseráveis”. Apesar do solo pobre, a comunidade planta milho, feijão, mandioca, caju e várias outras frutas. Eles conseguiram proteger cinco nascentes em uma grota e toda água que abastece as 20 famílias vem delas. Assim, não necessitam do programa "Pipa d’água". Em São Vicente, construímos uma barragem subterrânea, fruto da oficina do aluno Luis Santos, que tem como objetivo a retenção de água no solo no período de seca. Na primeira semana fomos também a uma escola agrícola. Lá construímos o círculo das bananeiras, uma oficina organizada pelo aluno Ramon Santo para o tratamento de água cinza.
Nesses distritos foram ministradas as oficinas de “Recuperação de áreas degradadas”; “Plantas nativas e seu potencial econômico”; “Cooperativa de produtores”; “Feira de profissões”; “Casa sustentável”; “Sanitário seco”; “Círculo das bananeiras”; “Fossa ecológica”; “Sustentabilidade”; “Uso de drone e app's no campo”; e “Barragem subterrânea”.
Na segunda semana, ficamos no centro do município, onde trabalhamos com o poder público: vereadores e secretários participaram das oficinas de “Planejamento estratégico municipal”; “Plano de marketing e marketing digital”; “Elaboração de projetos”; “Captação de recursos federais”, e “Divulgando a gestão municipal”. Já com a comunidade, ofertamos as oficinas “Como administrar uma empresa”; “Fotografia”; “Gastronomia”; “Orçamento Familiar”; “Empreendedorismo”; “Ferramentas do Google” e uma aula de realidade virtual para os alunos da alfabetização do Ensino de Jovens e Adultos.
Mais uma vez o Rondon foi mágico, cheio do que nos faz repensar a vida. Me pego falando que quero tirar férias e que não escreverei mais o projeto por um tempo, mas quando o Ministério da Defesa publica o edital, estamos eu e Roberto debruçados no computador nas madrugadas e fins de semana. Sinto-me em dívida com meu país, meus alunos e, principalmente, comigo mesma caso tenha uma atitude diferente. Como eu cresço participando do Projeto Rondon. Lá vejo na prática que a alegria está na simplicidade, coisa que eu sempre acreditei e que busco realizar na vida, mesmo sendo muito difícil por causa desse turbilhão de desejos que nos fizeram acreditar ser nossos. Lá o que está na moda é andar do jeito que você quiser, se divertir deitando no chão de cimento queimado e batendo papo com amigos, enquanto se bebe um tererê. Lá cantar no chuveiro é legal, mas discutir relações no banheiro com mais quatro amigas é muito melhor. Lá comer comidinha feita com amor é o prato mais gourmet do mundo.
Toda vez que saímos daqui com oito “crianças”, penso que o mundo já ficou melhor, não porque fizemos algo, mas porque esses oito fizeram, eles se permitiram se transformar, eles são o futuro. Jovens que me fazem ter esperança. Cada aluno que vai para o Rondon tem o dever de ser uma pessoa melhor. Tem um dever em defender o que ele viveu lá, as coisas que ele presenciou, desmentir estereótipos que se proliferam na sociedade. Nosso país tem problemas graves, mas tem, igualmente, pessoas maravilhosas. Pessoas que lutam de verdade, mas que não estão na mídia. Nesse Rondon conheci alguns guerreiros como Dona Conceição, Cláudia, Armando, Misael, Felipe, Marco, Assunção e Saul. Cada um deles me ensinou muito mais do que qualquer livro. Aprendi sobre a comunidade quilombola, sobre criar filhos (humanos, com empatia), sobre compaixão, sobre cultura, sobre luta, sobre resistência, enfim sobre amor e gratidão.
Por Luiza Gould / Ascom Unilasalle-RJ