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Conheça as vidas transformadas pelos encontros do Projeto Rondon em Nioaque, no Mato Grosso do Sul

Ao fechar os olhos, Vera ainda recorda. A chuva, a correria na madrugada. Eles chegavam de repente, às 1h, 1h30, destruindo as casas ainda improvisadas, mas suas. Pela primeira vez, eram donos de um pedaço de chão. Mas parecia que não eram. Enquanto tudo era destruído, enquanto perdiam roupas, lençol, remédios, comida, as lonas, não tinham tempo para derramar lágrimas. Levados à força para carros de boi, eram ali amontoados, homens, mulheres e crianças, tratados como os animais que poucos antes foram carregados, como o cheiro do excremento deixava supor. Entre solavancos, eram deixados longe, no meio da estrada. Dentre os muitos caminhos que podiam seguir, escolhiam achar por si mesmos o rumo da volta, afinal tratava-se do direito de Vera, do direito daquelas 164 famílias, conquistado em 27 de dezembro de 1997, após seis anos de tentativas. A fazenda havia sido desapropriada pela Polícia Federal, após a descoberta de que o dono plantava maconha junto da mandioca. Enquanto ele fugia para a Espanha, os assentados ocupavam a terra vazia, em 16 de maio de 1992. Àquela altura eram 500 famílias, mas muitas delas tiveram que migrar para outro espaço, porque a área não comportava tantas pessoas. O INCRA havia concedido o título da terra, a propriedade, era legal. Alguns fazendeiros das redondezas, no entanto, não aceitavam, queriam mais aquela extensão para eles. Hoje o assentamento encontra dias mais tranquilos. Os moradores sobrevivem da plantação e da criação de peixes. Fazem planos de aproveitar a fachada histórica para criar ali uma pousada e gerar renda. Foi sonhando que os habitantes de Andalucia, liderados por mulheres, conheceram os universitários lassalistas no fim de julho.


O Unilasalle-RJ teve proposta aprovada para mais um Projeto Rondon, organizado pelo Ministério da Defesa, e desta vez, a missão foi em Nioaque, Mato Grosso do Sul. Durante duas semanas, oito alunos dos cursos das Engenharias e Sistemas de Informação conviveram com variados mato-grossenses e conheceram seus distintos lugares de fala, prontos a ouvir para aprender, além de também ensinar. Em Andalucia e Conceição, por exemplo, os lassalistas deram oficina sobre casa sustentável, fossa ecológica, e fizeram o ciclo da bananeira para tratamento de água cinza. Em troca, souberam, de fato, o que é uma desapropriação. “As mulheres que estão à frente dos assentamentos explicaram todo o processo de luta pela terra, desde junto ao INCRA até quantas vezes foram despejadas. No rosto dos alunos era possível ver o quanto desconheciam aquela realidade, só conheciam o que a mídia fala. Uns choravam, outros estavam com os olhos arregalados. A Vera contou a história dela, mas em nenhum momento se colocando no papel de vítima, pelo contrário, mostrou a persistência que fez a filha se formar em Medicina”, recorda Suenne Righetti, professora responsável por comandar o time ao lado de Roberto Primo, “Aí está o ganho em investir no Projeto Rondon para formarmos cidadãos. Longe da metrópole, o aluno tem contato com o que jamais teve ideia. Nas tomadas de decisão depois, quando for um gestor, levará isso em conta”.


Para Afonso Lima de Oliveira, futuro engenheiro de Produção, passar por Andalucia deixa um grande legado. Cursando o 7º período da graduação, o jovem de 22 anos chegou a pensar que os moradores poderiam não ter tanto interesse no que foi preparado para apresentar, mas percebeu justamente o contrário. “As mulheres de Andalucia queriam aprender sobre tudo, queriam absorver tudo o que tínhamos a passar. Foi o maior ensinamento compartilhar conhecimento e entender que não devemos nos deixar abater pelos nossos problemas. Eles parecem pequenos, há sempre dificuldades maiores”, avalia. A segunda surpresa veio na Aldeia de Brejão. Oliveira acabou por cair em um movimento mal calculado, ao ensinar futebol americano. Não demorou muito para as crianças, em festa, se jogaram em cima dele. Todas, exceto uma. “Tio, me dá os seus óculos”, disse, “É para não quebrar”.


O cuidado com o próximo chamou a atenção, mas a estadia no assentamento indígena traz ainda outras heranças, como lembra Suenne:

“Há um grande respeito aos mais velhos, eles escutam muito pai e mãe. E dão um grande valor ao fato de serem indígenas. Depois, vi o quanto isso foi importante para outro aluno nosso, o Paulo Vitor. Ele nasceu em comunidade e me contou que sempre teve vergonha de falar onde morava, pois tinha medo das pessoas o tirarem como bandido. A filha do cacique, com quem ele conversou muito, faz faculdade de Farmácia fora da aldeia, mas sempre faz questão de voltar. Explicou a ele que era o maior orgulho para ela, que só saí da aldeia porque não tinha como ter aquele conhecimento da faculdade ali. Ouvir isso fez ele voltar transformado”. Antes aquele que se calava sobre sua própria origem, agora faz questão de expô-la nas redes sociais. Em post do dia 24 de julho, por exemplo, o aluno de Engenharia Civil publicou foto de uma menina do Brejão. Na localização, marcou a Favela do Atalaia. E escreveu: “’Eu tenho orgulho de ser indígena’. Na minha arrogância e prepotência, acreditei estar indo ao Pantanal ensinar, aprendi. Lição valiosa, que não será esquecida com facilidade, hoje afirmo que não importa onde eu vá, sempre terei orgulho de dizer de onde saí #gratidão”.


Galeria de Fotos

Balanço da operação

Roberto Primo lista alguns motivos para o Rondon Pantanal marcá-lo, não só na pele (o docente tatua uma nova estrela junto do símbolo do Projeto a cada nova viagem). O veterano em operações, com nove no currículo, destaca o apoio da prefeitura, ao afirmar que ela “chegou junto” em termos de transporte, alimentação e participação em oficina sobre planejamento: “Foi bom porque eles têm um problema de evasão de empregos com que a prefeitura precisa lidar. Fechou uma usina na cidade que acabou com 1.500 empregos”. “Tenho registradas 902 pessoas que assistiram às nossas aulas, somando todas. Nunca tínhamos passado de 500. No último dia, não tinha mais certificado, tivemos que imprimir lá. Junto com a UFSC devemos ter feito mais de 1.500 atendimentos”, sintetiza Primo em números.


Para o docente, a preparação prévia de um ano foi a responsável pelos bons resultados em Nioaque: “Fizemos um processo seletivo mais longo, o que deu muito certo. Conseguimos uma equipe comprometida, várias reuniões de dias inteiros para já sairmos daqui como um time. Um tomou conta do outro. A oficina criada por um não era só dele, era de todos. Fomos muito bem preparados”. Esse espírito, na opinião de Suenne, é fundamental, afinal, o Projeto Rondon não se trata de atividade assistencialista, mas sim da responsabilidade em fomentar habilidades, ideias, negócios, modelos de gestão, soluções ecológicas, para os moradores se desenvolverem, prosperarem.

O objetivo faz a troca ser inerente. Na chegada, o estudante Vinícius Hashirama vestiu fantasia, para parecer estar montado em um dinossauro, numa homenagem a Nioaque. A cidade é conhecida pelas pegadas dos animais, deixadas há milhões de anos. Se, naquele momento, a aposta era no que suspeitavam ser significativo para a cultura local, uma aposta certeira, na saída a apresentação foi com o que tinham certeza. Diante de todos os rondonistas da operação Pantanal, os lassalistas já traziam um dos aprendizados da própria operação. Fizeram dança típica dos assentamentos indígenas. Confira no Diário de Bordo dos professores um resumo das semanas:


Conheça os integrantes do Projeto Rondon - Operação Pantanal

Adilaine Monteiro Ferreira - Engenharia de Produção
 Afonso Lima de Oliveira - Engenharia de Produção
 Cayo Luiz Ferreira Alfaia dos Reis - Engenharia Civil
 Ohana Costa Rosario - Engenharia Civil
 Paulo Vitor Lima Monteiro - Engenharia Civil
 Rebeca D'Amato Vargas - Engenharia Civil
 Vinícius Hashirama - Sistema de Informação
 Vitória Pinheiro Rodrigues - Engenharia de Produção

Professores: Roberto Primo e Suenne Righetti.

Por Luiza Gould

Fotos de Vinícius Hashirama

Ascom Unilasalle-RJ

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