Nasci num povoado distante, no interior do Ceará, no dia 6 de março de 1958, numa casinha de taipa. Minha banheira era um ALGUIDÁ (vasilha de barro) comprado na feira. Minha mãe decidiu que meu nome seria Maria Célia, só que na hora de registrar houve um erro do cartório, e como naquela época não se precisava de documentos nem para ir à escola, eu só fiquei sabendo que meu nome era só Maria quando fiz 16 anos; aí todos já me conheciam com dois nomes.
Fui sozinha até 8 anos de idade, era rodeada de carinho e atenção; fui a 1ª filha, 1ª neta, até que nasceu minha irmã. Aí eu fui completamente posta de lado. Lembro que certa vez fui sentar no colo de meu pai e ele me empurrou bruscamente. Suas palavras soam na minha memória como se fosse agora "SAI DAQUI!". Mesmo assim, amo minhas irmãs, nunca brigamos.
Tinha sede de saber. Aos quatro anos ganhei um vestido com estampa de letrinhas, aprendi todas e quando entrei para a escola já conhecia todo o alfabeto. Nunca fui reprovada na escola, mas meu pai não me deixou passar da 5 ª série porque, segundo ele, mulher que sabia demais não dava prá boa coisa. Com esse termo ele queria dizer: se prostituir.
Não me deixou aprender a bordar, fazer crochê, servia apenas para ajudar nos serviços domésticos, ou seja, ele bloqueou tudo que eu idealizava.
Gostaria de esquecer alguns fatos, mas minha memória não me permite. Às vezes, à noite, meu pai saía com minha mãe e minhas irmãs e me deixava trancada em casa, dizia que eu era feia. Quando era tempo da festa do padroeiro de lá, comprava roupa nova para elas e mandava reformar os vestidos velhos de minha mãe para eu usar, isso me entristecia e eu me recusava a sair com eles. Aí me chamavam de nojenta e me espancavam de forma tão brutal que depois me lavavam com água de sal para que as marcas não infeccionassem. Sabem o que eu fazia para amenizar esse sofrimento? Lia tudo que encontrava, e olha que não era fácil encontrar um livro qualquer que fosse para ler, mas dava meu jeito, pedia a quem tinha. Quando não era isso, eu cantava, cantava muito. Nunca tive sequer um radinho de pilha, mas sabia todas as músicas novas; copiava ouvindo o rádio na vizinhança.
Para suprir a carência de saber, com 16 anos peguei um plano de aula de uma prima professora e fui dar aula de 4ª série, particular. E como todos os meus alunos foram aprovados em outros colégios, adquiri a credibilidade das pessoas da Secretaria de Educação da cidade próxima, que passaram a me fornecer as folhas do histórico para os alunos. Aos 18 anos, consegui assinar minha carteira profissional pela prefeitura como professora primária. Eu ensinava a 4ª série, particular, a 2 ª série pelo município e o Mobral. Achei que ali começava um fio de esperança de liberdade. Mas, nada! Não podia comprar o que eu quisesse com meu dinheiro, meu pai queria tudo. Pensei: vou me casar, ter minha casa só eu e meu marido. Me casei sem amor e, para mais um desengano, meu pai passou a mandar em mim e no meu marido. Aí já viu, né? Não deu certo. Mesmo assim, ainda tive quatro filhos. Criei-os com todo carinho, afinal eles eram e são tudo que eu tenho como MEUS DE VERDADE!!!!!!!!
Renovar não posso, mas peço a Deus todos os dias para me dar vida longa para que eu possa me realizar. Deixei meus pais (agora falecidos) no Ceará em 84 e vim pro Rio de Janeiro. Minha rebeldia foi construtiva. Desobedeci a eles fazendo tudo o que me proibiram. Aprendi a costurar, bordar, pintar tecidos, fazer crochê e, agora, com os filhos criados e já avó de 5 netos com uma vitalidade invejável, voltei para o colégio. Com as Bençãos de Deus, me formarei este ano e serei, sem dúvida alguma, uma excelente professora! É isso que sei fazer, é essa a profissão que tenho amor. Me casei novamente e tenho o incentivo do marido na conquista dos meus ideais.
Como resumo desta trajetória de vida fiz esta poesia:
Nasci numa cidade pequena
Sem nada de interessante
Vocês nem podem imaginar
Pois ela é muito distante
Mesmo com a luta de meus pais
Vivia em muita pobreza
Mas que encontraria a vitória
Disto eu tinha certeza
Aos meus oito anos de idade
Ganhei uma irmã, Que amor!
E aos oito anos dela
A segunda irmã chegou
Quando nossa irmã mais nova
Oito anos completou
Nossa mãezinha morreu
Que saudade nos deixou!
Tudo que eu desejava
Era na escola estar
Estudar até cansar
E assim me realizar
Como não tinha recursos
Eu não podia estudar
Conseguir meu grande sonho
De um dia me formar
E nesta desilusão
Inventei de me casar
E em vez de felicidade
Conheci foi o azar
O casamento fracassou
Com os problemas que apareceram
Mas neste meio tempo
Meus quatro filhos nasceram
Eles são o meu orgulho
E alegram os dias meus
Dois meninos e duas meninas
Meu grande presente de Deus
Lutei com todas as forças
Para torná-los gente de bem
Contando só com a ajuda
De Deus e de mais ninguém
Agora que estão crescidos
Cada um cuida de si
Decidi que era a hora
De recuperar o que perdi
Hoje aos meus cinquenta anos
Retornei para estudar
Agora não vejo obstáculos
Desta vez vou me formar
Vou me tornar professora
Vou poder lecionar
Vou seguir a profissão
Que tanto aprendi amar
E digo a todos vocês
Que lutem com força e fé
Nada na vida é impossível
Quando de verdade se quer
É ASSIM QUE ME CONSIDERO:
UMA ROSA ENTRE ESPINHOS!