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Em cartaz na Galeria La Salle durante o mês de agosto, a exposição reuniu artefatos que são fruto da Arteterapia

A arte em seus diferentes formatos e enquanto técnica terapêutica, um legado deixado pelo psiquiatra Carl Gustav Jung, tomou conta do corredor cultural da Galeria La Salle durante os dias 14 e 30 de agosto por meio da exposição Expressão da Alma. Criadas por alunos do Ateliê Espaço Livre, de Henriqueta Sasso (curadora da mostra junto de Angelina Accetta), as mais de 50 obras expostas foram confeccionadas em sessões guiadas por arteterapeutas e ultrapassaram as paredes e perímetros do ateliê até chegar ao centro universitário. Ao todo, 22 artistas trouxeram de 4 a 6 obras, desde máscaras de papel machê e esculturas de jornal até pinturas em tela e em panos. Segundo Angelina, coordenadora do Núcleo de Arte e Cultura, essa é exposição com maior diversidade de linguagens desde o início das atividades da Galeria, em 2007. Expressão da Alma contou ainda com oficina e trouxe a linguagem da dança por meio da exibição do espetáculo TIC - o espelho do ser, baseado na história de um dos artistas, Everaldo Oliveira. Conheça nesta matéria detalhes sobre a inauguração, os trabalhos expostos, seus criadores e sobre a arteterapia.

A junção dessas duas palavras antecipa por si só o que significa o processo: a arte é fomentada em seu sentido amplo e dinâmico para auxiliar o paciente a se expressar, compreendendo questões internas e necessidades psicológicas. Henriqueta complementa: “A arteterapia em si é um processo terapêutico que vai usar vários materiais para gerar possibilidades de expressão, revelando conteúdos desconhecidos ou esquecidos. Assim, consegue-se uma comunicação entre o que está no subconsciente com a consciência”. Se, num primeiro momento, esta definição pode limitar-se ao campo científico, cabe alargá-la a partir de sua materialização nas vivências individuais.

Na foto, Henriqueta Sasso entre algumas das expositoras.


Para Maria Inês, por exemplo, foi através da arteterapia que ela passou a se impor. As técnicas a trouxeram de volta para si mesma, que se priorizou ao invés de realizar o movimento contrário. “Para mim foi uma transformação muito grande”, constata, “Eu sou economista e quando entrei no curso, eu falava: ‘Meu Deus, eu não vou ser capaz, não vou conseguir fazer isso, eu quero fazer um negócio bonito, quero fazer as coisas bem’. Mas os meus colegas diziam: ‘A arteterapia não é sobre o trabalho ter beleza, você tem que botar para fora o que está sentindo, se está se sentindo bem ou com raiva’. Eu consegui passar a ter mais atitude no meu cotidiano, porque muitas vezes desistia de falar algo com receio da pessoa ficar chateada comigo. Agora eu falo”.

Maria Inês ao lado de uma das suas obras expostas em Expressão da Alma

Na história de Martha e Daniele Calmon, a arteterapia, assumindo a forma de cartas de tarot, significou romper com um transtorno. “O projeto não começou como a ideia de um tarot, mas sim com a tentativa do desbloqueio de um lado dela, de trabalhar o medo que a causava crises de pânico. Então eu a fiz uma proposta: ‘Vamos tentar buscar na sua infância, na adolescência, na vida adulta e na velhice que virá, locais onde você encontrou de alguma maneira o medo. Mas você não me dirá, você vai trazer objetos que representem isso. Pode ser uma foto, uma pedra...’. Ela trouxe elementos da casa, da intimidade dela que representassem esses momentos”, começa a explicar Daniele antes de detalhar o processo de ilustração das cartas por parte de Martha:

“A partir do momento que encontramos esses núcleos, esses locais onde residia o medo dela, minha mãe começou a produzir muito. Ela precisou passar primeiro pelas cartas de sombra para depois conseguir atingir os núcleos de luz, que são os arquétipos do tarot. Disso surgiram 62 cartas, hoje utilizadas por mim como instrumento de trabalho como taróloga e arteterapeuta, eu uso o tarot para ambos os processos”. O trabalho foi desenvolvido durante 10 anos, envolveu outros membros da família e a publicação da obra Oráculo Tarô Universo Encantado (Ciência Moderna): “Na época, ela começou a receber em sonhos poesias referentes a essas cartas, então todo livro tem uma poesia para cada carta. Ela, eu e minha irmã, junto a um grupo de pessoas que acompanhavam, a nossa irmandade, começamos a fazer uma análise simbólica desse processo que foi muito bonito”. Daniele ainda conclui: “É um sentimento de satisfação, eu tenho certeza que ela teve a oportunidade em vida de ver o projeto dela pronto, de publicar, ela se realizou muito dentro disso e o desejo dela era que o projeto continuasse, ajudasse outras pessoas, porque é um tarot de cura. O objetivo do tarot não é prever se vai acontecer algo na sua vida, é ver onde você tem núcleo sombrio e buscar a cura daquilo”.

Foto 1: as cartas de tarô e o livro, fruto do trabalho de Daniele Calmon e sua mãe, Martha Calmon.
Foto 2: Daniele Calmon, Henriqueta Sasso e uma das visitantes da exposição.

Bonecas de pano e quadros são outros exemplos do que nasce a partir da arteterapia, semeada no Espaço-Livre, com folhas, flores e frutos proliferados em ambientes diversos. Flores foram, inclusive, criadas pelo poder da imaginação na reunião do grupo antes do vernissage. Um a um os artistas, em silêncio, encheram de afeto um buquê imaginário depois entregue à Angelina Accetta, num simbolismo de gratidão à parceria. Para Angelina, é justamente essa capacidade que proporciona tantos saberes, essenciais para a vida humana: “Começamos a perceber que o imaginário se assemelha a um motorzinho, não só da poesia, da arte, mas também do conhecimento científico. Não existe arte sem conhecimento, nem ciência sem imaginação. Então, precisamos o tempo todo perceber essa cientificidade que o imaginário pode gerar com o nascimento de ideias, desde as pequenas lembranças, as saudades, os amores, até as grandes criações”.

Para que a arteterapia aconteça, a própria ciência é fundamental. As responsáveis pelo Espaço-Ateliê baseiam suas ações nos conceitos do psiquiatra Carl Jung, criador da psicologia analítica, como esclarece Kátia Rennô: “As concepções de Jung facilitam para que façamos uma abordagem do simbólico, com o qual vivemos e dialogamos e que é a linguagem da arte. Então, nosso foco é na criatividade. Por que a criatividade? Pois ela é o núcleo sempre saudável do ser humano, esteja ele adoecido ou não. Ao trabalhar a criatividade artística, estimulamos a própria criatividade do lidar com as questões e os desafios do cotidiano”.


Na foto, o aluno Tiago da Silva Caitano, deficiente visual, conhecendo alguma das obras por meio do contato físico.

Everaldo Oliveira precisou da arte para superar alguns desses desafios. “Arteterapia é algo que surgiu assim, como se eu tivesse acertado na loteria, de tão bom que foi para mim. Ela mudou a minha maneira de ser, de agir, de pensar, me tornei uma pessoa mais perceptiva, algo que eu não era. Então, eu costumo dizer o seguinte: a terapia me proporcionou coisas boas na vida, como estar casado há 53 anos. Além disso, eu não conversava com ninguém, eu tinha vergonha da minha altura. Se eu soubesse que uma pessoa era formada eu não conversava com ela porque achava que saberia mais do que eu. Eu tinha esse bloqueio muito grande”. Hoje, Everaldo já não é apenas um paciente, mas sim um artista. Além das obras que fez e com as quais participou de Expressão da Alma ele já expôs sozinho na Galeria La Salle.

Os efeitos positivos transpassam e se reverberam por todo o entorno, principalmente o familiar. Adinete Oliveira é testemunha do quanto a arteterapia beneficiou toda a família: “Eu não faço, mas o acompanhei frequentemente, e em casa nós conversávamos muito sobre. Everaldo mudou drasticamente, ele não falava, não conversava com ninguém, hoje em dia fala mais do que eu, apesar de eu falar bastante. Meu esposo renasceu, foram oito anos de sofrimento, sem ele querer sair de casa...”. Graças ao filho, que já conhecia Henriqueta, Everaldo foi ao Espaço Ateliê-Livre e deu início ao processo terapêutico.

“Com o tempo, a terapia foi me moldando, como se fosse uma pedra”, lembra o marido de Adinete, “Eu cheguei tal qual uma pedra perdida e enferrujada, e a Henriqueta conseguiu moldar toda essa pedra. Quando alguém fala da arteterapia, eu endosso cada vez mais as benesses, porque ela mudou a minha vida. Como se fosse o pássaro Fênix, eu ressurgi das cinzas”.

Adinete Oliveira junto à seu esposo, Everaldo Oliveira, e a arte criada por ele.


Confira mais fotos da Exposição

Por Maria Eduarda Barros / Revisão: Luiza Gould
Fotos de Adriana Torres
ASCOM Unilasalle-RJ

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