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”Meu marido faleceu e eu vim morar com a minha filha. Quando ela ia trabalhar, falava comigo assim: A senhora fica quietinha aí, se comporta. Eu ficava no quarto até ela sair, mas depois pegava a minha chave e fugia, para passear, conhecer a cidade. Eu fugi umas cinco vezes, mas agora não fujo mais porque fico na Casa Convívio, a porta é fechada. Mas não tem problema, amo aquilo lá”. Sinceridade e bom-humor são sinônimos de Irene Barros. Quem a vê assim, de longe, sentadinha no palco, pode não imaginar o quanto, no auge dos seus 90 anos, Dona Irene é “espoleta”, característica que a faz cantar desde que se entende por gente. A prova, a menina sapeca dá antes mesmo do show começar, em uma palinha ao pé do ouvido da repórter: “Quem é você que não sabe o que diz / Meu Deus do céu, que palpite infeliz / Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira, Oswaldo Cruz e Madureira / que sempre souberam muito bem / que a Vila não quer abafar ninguém / só quer mostrar que faz samba também” (“Palpite Infeliz”, Noel Rosa). Poucos minutos depois, a voz dela se juntaria a de mais 30 sábios artistas na apresentação do Coral da Casa Convívio, este ano realizada no dia 25 de outubro.

                          

                                        Dona Irene Barros acena antes do início do show

 

O espetáculo anual comandado pela maestrina Rosa Salgado é obrigatório no Unilasalle-RJ desde 2012, para o deleite de familiares dos cantores, alunos da instituição e membros da comunidade. Eles prestigiam o número pensado, especialmente, para o centro universitário, como conta Rosa: “Esse convite nos dá uma alegria muito grande, porque é o único que temos sempre como certo. As outras apresentações vão pintando, mas preparamos e ensaiamos o repertório pensando em vocês. Fazemos até um pouco de segredo, porque buscamos constantemente trazer algo novo”.

Na noite daquela quarta-feira, aliás, não foram poucas as surpresas. Elas começaram com a inspiração do peso de Frank Sinatra. O saxofonista André Luis dos Santos e o baixista Marcos Antônio dos Santos, integrantes da banda que dá suporte ao coral, capricharam nas notas para “New York, New York”. Já os convivas (como são chamados os frequentadores da casa), Fidel e Dimão, tiraram som de instrumentos bem familiares aos brasileiros, o violão e o cavaquinho, respectivamente. As homenagens, no entanto, ultrapassaram as fronteiras nacionais, chegando a Portugal. Nacionalidade de ao menos seis membros do coral, a terrinha foi lembrada na música “Canção do Mar”, de Dulce Pontes, por conta do desastre das queimadas que assolaram o país em 2017. O momento contou com apresentação de dois bailarinos da Escola de Dança Jaime Arôxa.

     

Clássicos da MPB não ficaram de fora do repertório, com nomes como Simonal, Tim Maia, Clara Nunes, além do samba da Portela, campeã do último Carnaval carioca. A abertura ficou por conta da referência a Gonzaguinha, em um trocadilho de Rosa, – “Fico com a pureza e a resposta dos nossos convivas”, disse ela (Os versos originais de “O que é, o que é”, cantados logo em seguida, são “Eu fico com a pureza das respostas das crianças / É a vida, é bonita e é bonita”) – e de uma música que, para a maestrina, é a razão de ser do grupo: “Tudo por causa de um grande amor”.

Por causa de um grande amor, os idosos viram artistas, por causa de um grande amor o trabalho na Casa Convívio já soma 18 anos, como lembrou Irmã Cândida, responsável pelo espaço, durante a sua fala. “Ao longo deste tempo, a presença de cada pessoa, seja voluntário, funcionário, os convivas, os familiares, os benfeitores, tornou possível nossa história. Hoje estamos aqui porque recebemos de Deus esta grande graça, tudo por causa de um grande amor Dele”, afirmou. Ao dirigir sua gratidão à família lassalista e àqueles que tornam possível o trabalho realizado em Santa Rosa, a Irmã citou o português António Nóvoa. “Em encontro de educadores em Brasília, se reportando a tratado de gratidão de São Tomás de Aquino, o professor nos ensinou que a língua portuguesa é a única em que o termo ‘obrigado’ atinge o nível mais alto de agradecimento entre os homens”, atestou, “Não significa apenas que intelectualmente entendemos termos sido distinguimos, ou que apenas damos graças ao outro por termos sido distinguidos. Quando dizemos ‘obrigado’, assim em português, confessamos que tanto e de tantos recebemos, que nos sentimos, a cada um deles, vinculados, e, portanto, compromissados em retribuir-lhes a atenção, o comprometimento, o carinho. Nos reconhecemos, obrigados, a rezar pela felicidade de cada um de vocês”.

 

Rosa (à esquerda) e Irmã Cândida em falas ao longo da apresentação

Angelina Accetta, coordenadora do Núcleo de Arte e Cultura, além de responsável por trazer o coral ao Unilasalle-RJ, foi presenteada com flores pela Irmã Cândida, para quem a professora “ensina como ser presença que acolhe”. Sorte dos seus alunos, dentre eles Enayle Mendes, de 20 anos. A estudante do 4º período de Pedagogia reforçou o time encarregado de organizar a vinda da Casa Convívio e o evento que ocorria em paralelo, relativo ao Outubro Rosa. Enquanto na Varanda Cultural foi montada uma estrutura para receber Cruz Vermelha, a clínica Odonty, com palestra sobre câncer de boca, e representantes da Mary Kay, no 3º andar, as futuras pedagogas distribuíam fitas cor-de-rosa a cada visitante recebido.

 

“Cheguei cedo para encher os balões, arrumar a decoração, confeccionar brindes. Fiquei curiosa com a proposta da Angelina e achei uma ótima oportunidade para conhecer mais os idosos, assim como eles me conhecerem”, comentou a aluna na ocasião.

O encerramento da apresentação do coral foi na medida da animação dos convivas. Muitos levantaram e foram bailar “La Bamba” junto de familiares e alunos. A alegria estava em gestos, sorrisos, na vivacidade de meninos e meninas espoletas a pular pelo salão.

Por Luiza Gould 

Fotos de Beatriz Siqueira

Ascom Unilasalle-RJ

 

 

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