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Mulheres que pedem refúgio no Brasil contam suas histórias no projeto Vidas Refugiadas, que ganha mostra na Galeria La Salle

No dia em que o marido, militante político e opositor ao ditador da República Democrática do Congo foi preso, Sylvie entendeu o recado: precisaria fugir do seu país para salvar sua vida e a dos filhos. O “pecado” de Alice foi nascer para a arte. Fez teatro em Burkina Faso, mas quando subia ao palco era às escondidas. A família descobriu, quis forçar seu casamento com um homem de 60 anos. Não podia aceitar aquilo. O olhar de Jeannete carrega marcas profundas por só querer amar. Mulçumana, se apaixonou depois da morte do primeiro marido por um cristão. Sofreu agressões, pensou que o companheiro tivesse sido assassinado. Para escapar da sentença de morte em nome da “honra da família”, deixou quatro filhos para trás, dor maior do que qualquer uma das suas cicatrizes físicas. Jonathan lutou por uma bandeira na Nigéria: ensinar para meninas, pois “educar a futura mãe é educar gerações”. Deu aulas de inglês voluntariamente, correndo o risco de, como outras 10 professoras com quem trabalhava, ser vítima do Boko Haram. Ser refugiada se tornou a luta pela vida para poder chamar a atenção do mundo. Mayada é um dos rostos por trás do drama sírio. A professora universitária também viu um colega sofrer um “assassinato selvagem”, alvejado por quatro homens. O basta veio ao presenciar as fileiras de corpos na rua enquanto levava a filha para a prova do vestibular. Não queria para as suas duas meninas uma “cultura da guerra”. O pai de Maria ajudou naquela promessa de uma nova Cuba. Faltou imaginar o quanto a revolução poderia ser sinistra. Se opôs ao regime castrista, recebeu a ameaça: não iriam matar, deixariam em cadeira de rodas. Sentiu medo pela primeira vez. Vilma foi, da mesma forma, perseguida pelo governo, mas o da Angola. Ainda era menor de idade quando chegou à América. Começou a lutar cedo contra a dominação política de 35 anos na terra natal e soube, por um telefonema anônimo, estar no topo da lista de “eliminações”.

Sylvie, Alice, Jeannete, Jonathan, Mayada, Maria e Vilma são mulheres em busca de um recomeço no Brasil. Neste novo país, suas histórias se cruzaram com a de Gabriela Cunha Ferraz, advogada, e com a de Victor Moriyama, fotógrafo. O encontro deu início ao projeto Vidas Refugiadas, cuja exposição, reunindo imagens dessas personagens reais, chega à Galeria La Salle, depois de cinco meses em cartaz no Museu Histórico Nacional. A inauguração da mostra na próxima quarta-feira foi escolhida a dedo pela coordenação do curso de Relações Internacionais, devido à proximidade entre o tema e uma das palestras da Semana de RI (dias 26 e 27 de outubro).

Gabriela conheceu suas oito “irmãs” – a oitava integrante desistiu de dar sequência à imersão de fotos, mas chegou a ser retratada –, como as denomina hoje, durante estadia em São Paulo, trabalhando para regularizar a situação de migrantes em centro de acolhida de pessoas em situação de refúgio. Ao perceber uma semelhança na diversidade de trajetórias, iniciou rodas de conversa com as refugiadas. E coloque aí ênfase no “as”: “Do Brasil, 30% dos refugiados reconhecidos são mulheres, no mundo 52% dos deslocamentos são delas e de meninas. Números bastante expressivos para serem esquecidos nas políticas de recepção dessas pessoas. Queríamos dar luz justamente à violência de gênero que origina a migração, mostrar como o fato de se tratarem de mulheres com expressões sociais significativas levou-as a situações de perseguição”.

O projeto nasce para dar luz ao feminino neste contexto, já que elas são deixadas em segundo plano quando o assunto é refúgio. Para Gabriela esta é uma realidade oriunda do imaginário criado em torno da guerra, motivação para muitos dos casos de fuga do país de origem. A advogada reitera que o homem aparece como o protagonista de conflitos bélicos, apesar “de ser a mulher a sofrer as consequências mais duras: a perda o marido, a necessidade de assumir de uma hora para outra o protagonismo dentro de casa, ter o corpo exposto. A mulher é objetificada, instrumentalizada dentro deste conflito”.   

No site de Vidas Refugiadas, colocado no ar no dia 8 de março deste ano, as entrevistadas contam detalhes de suas trajetórias. Cada uma de um país, cada uma vítima de um tipo de violência, cada uma em uma etapa do processo de reconhecimento por parte do governo brasileiro da situação de refúgio. Logo na home, as imagens chamam a atenção. Sete mulheres aparecem de frente para câmera, só com os olhares em evidência. Um primeiro impacto e tanto, com fotos de Moriyama, que também assina a fotografia dos vídeos do projeto no YouTube.

 

“Ele virou o menino no meio de todas nós”, brinca Gabriela, “Já conhecia o trabalho do Victor com pautas ligadas aos movimentos sociais e resolvi convidá-lo para participar. De cara pensamos na exposição fotográfica como uma primeira etapa do projeto por entender a fotografia como instrumento de sensibilização”. O que era para ser uma mostra se desmembrou em três diferentes, que agora rodam o país. A maior, já exposta no Paço da Liberdade, em Curitiba, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, e no Museu da República, Brasília, conta com 25 quadros. Já a que passa pelo Rio (Museu Histórico Nacional, UFRJ, UNIRIO e, agora, Galeria La Salle) contém 16 estruturas em metalon com fotos em lona, presas pelas bordas. Enquanto isso, a terceira exposição, com quadros pequenos, circulou por São Paulo e Foz do Iguaçu. Está, no momento, em João Pessoa, de onde segue para Caruaru e Boa Vista.

Toda a repercussão surpreendeu a própria equipe. Para 2017, Gabriela Ferraz e Victor Moriyama planejam lançar um fotolivro, eternizando “Vidas Refugiadas”. Primeiro, no entanto, será preciso conseguir novo financiamento, já que a parceria com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) termina em dezembro. “É um assunto que interessa a população, mas não havia um canal que fomentasse o debate. Sinto que estamos preenchendo uma lacuna. Na La Salle vai ser bacana pois casa com o seminário de migrações e refúgios. A expectativa é grande”, conclui a advogada falando ainda sobre a característica que une Sylvie, Alice, Jeannete, Jonathan, Mayada, Maria e Vilma:

“O que me faz ser apaixonada pelo projeto é a fortaleza dessas mulheres, tanto pelo que passaram, atravessando oceanos sozinhas ou com os filhos, quanto a força para lutar que já traziam consigo e motivou a perseguição. Falamos de histórias já suficientemente tristes, por isso o que queremos mostrar nas fotos são as mulheres guerreiras, que voltam a normalidade da vida, a poder entrar em uma Igreja e rezar, pegar um metrô, amamentar na rua”. 

Inauguração dia 26 de outubro, quarta-feira, às 18h. Permanência: até 24 de novembro. Segunda a sexta-feira, das 9h às 21h. Entrada gratuita!

Por Luiza Gould

Fotos cedidas pelo projeto "Vidas Refugiadas"

Ascom Unilasalle-RJ

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