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Hunter “Patch” Adams encontrou na Medicina a resposta que procurava ao se internar por vontade própria em sanatório após uma tentativa de suicídio. Desde o início da faculdade, no entanto, ele não se enquadrava em métodos frios, na distância entre paciente e médico. Colocou um nariz vermelho, apresentou aos professores uma nova metodologia, provou a importância do afeto no exercício da profissão, fundou seu próprio instituto, virou filme protagonizado por Robin Williams, e hoje viaja o mundo levando risadas e ensinamentos junto de outros doutores da alegria. Para contagiar com o amor, chegou a ouvir que “lugar de palhaço é no circo”, mas preferiu focar em uma ideia: “amizade é o melhor remédio”. A história real se repete a cada ação quando o assunto é voluntariado. Quais são os desafios a enfrentar? Como começar e perseverar? Por que este pode ser um caminho para mudar o mundo?

As questões demandadas por graduandos do Unilasalle-RJ durante o Projeto Desabrochar motivaram o “Seminário para Formação de Voluntários”, realizado pelo Setor de Ação Comunitária na semana passada. O encontro do dia 10 de novembro teve 30 presentes e começou com a mesa redonda “Voluntariado e participação social: experiências partilhadas”, reunindo representantes de diferentes projetos. Pessoas com uma “intelectualidade prática”, nas palavras de Livia Ribeiro, coordenadora do SEAC: “Não queríamos alguém com uma ampla experiência acadêmica, ou um aporte teórico sobre o tema. Buscamos voluntários com conhecimento construído a partir de experiências, capazes de dizer: ‘A minha primeira decepção foi essa’, ‘Eu escorreguei neste lugar’”.

 

Sofia Calderano, estudante de 3º ano do Colégio Santo Inácio, tem 17 anos e muitas histórias a compartilhar sobre filantropia. Desde o ano passado, ela integra o TETO, ONG que busca superar a extrema pobreza de milhões de latinos, há dez anos atuante nas “favelas mais precárias e invisíveis” do Brasil. Jovens voluntários constroem “moradias mais dignas”, promovem “a educação de crianças por meio de oficinas de leitura”, formam lideranças comunitárias e envolvem “toda a comunidade em projetos de melhoria para seus bairros”, tudo em diálogo direto e junto dos moradores. O contato com o trabalho veio na escola que, em parceria com o TETO, levou alunos a levantarem duas casas. As dificuldades para Sofia, entretanto, começaram antes mesmo dela arregaçar as mangas.

 

“Éramos mais de 20 meninas e oito meninos. Pelo número de mulheres interessadas ser muito maior, todos os homens foram e nós tivemos que ser sorteadas. A princípio tinha ficado de fora por conta do machismo”, lembrou durante o evento. Ela participou daquela vez por puro acaso. Um dos escalados quebrou a perna duas semanas antes da obra e ela entrou para substituí-lo, “depois de tanto encher a paciência”. A barreira também se apresentaria em outras ocasiões. De outubro até agora foram três construções, as duas últimas como líder, sendo a responsável por delegar tarefas. Na sua estreia em nova função, conviveu com a dificuldade, tanto dos moradores quanto de sua dupla, em “seguir ordens de uma menininha”.

Aos poucos, eles foram percebendo, no entanto, que a “menininha” estava sempre certa. No sábado seguinte, ao retornar para a pintura das casas, se surpreendeu com uma conversa paralela dos habitantes locais: “— As mulheres aqui botam a mão na massa, mesmo / — É, elas são guerreiras, mais do que a gente”. O empecilho se transformou em uma mudança positiva de visões também ao entrar no último ano da escola. “Pré-vestibular com voluntariado? Muita gente me pergunta se sou maluca. Arranja tempo quem tem prioridades. Eu coloquei o voluntariado como uma prioridade em minha vida”, responde ela até hoje, fazendo os colegas refletirem.        

BOLA CHEIA E STREET STORE

Da mais nova ao palestrante com mais tempo de estrada. O voluntariado chegou na vida de Gustavo Gouveia, de 39 anos, em 2007, quando participou de um projeto social chamado Sonhar Acordado. Em 2010, fundou o Bola Cheia de Cultura, unidade móvel que proporciona a várias comunidades serviços de saúde, assistência social e jurídica, aulas de Jiu-jitsu e inclusão digital. “Fui criado em uma escola católica no Viradouro e convivi com voluntários, recebi deles carinho”, explicou Gustavo, “O fato de gostar disso abriu a minha cabeça para quando surgisse a oportunidade de eu poder doar um pouco do meu tempo, do que aprendi. Procurei estudar esta área, assistir a seminários em outras ONGs”.   

 

Gouveia é funcionário do Unilasalle-RJ e um dos fervorosos colaboradores da Ação Comunitária. Com o seu projeto, já levou esporte, cultura, além de registro, a partir de parceria com a Fundação Leão XIII, a cerca de 200 crianças. Ciente de que não é possível fazer nada sozinho, colocou como líder uma mulher, fazendo coro com a fala de Sofia, ao afirmar serem elas as responsáveis por “puxar o bonde do bem”.

Enquanto o machismo foi citado pelos dois, Claudio Porto compartilhou com o público uma outra dificuldade, responsável por fazê-lo criar sua própria ação. O estudante de gestão comercial tem 25 anos e viu no altruísmo a melhor forma de satisfazer seu anseio pessoal. Ele precisava de um rumo após a perda do pai. “Apareceu a oportunidade de participar da frente social de um curso pré-vestibular de São Gonçalo. Comecei a realizar visitas a hospitais, entrega de cestas básicas. Em determinado momento, porém, não concordei com a distribuição de donativos. Eles colocavam as roupas em sacos de lixo, chegavam à comunidade, deixavam lá e os moradores pegavam de forma desordenada”, relatou no seminário. A discordância com a forma como o projeto era executado o fez idealizar a versão gonçalense da inciativa The Street Store, originada na Cidade do Cabo, África do Sul.

A ideia continua sendo levar roupas e calçados a quem não tem, o diferente é a forma de doar e receber. É montada a estrutura de uma loja na rua e as pessoas se sentem “fazendo compras mesmo sem gastar nada”. Porto garante: faz sim toda a diferença. “As pessoas se sentem abraçadas, conseguimos resgatar autoestimas”, atestou. 

No momento das perguntas, ele deu luz a uma dúvida de muitos ao começar uma atividade voluntária. “Como manter um voluntariado permanente, fugindo do esporádico?” foi a questão levantada na plateia. “Sou prova viva desta dificuldade”, admitiu, “E como tal acredito que temos que saber tanto o que buscamos de melhorias para aquela comunidade quanto temos que tratar o voluntariado com a mesma atenção, atender à necessidade que ele precisa preencher”. Para Porto, é preciso envolver a equipe, do motorista ao responsável pela limpeza, buscando também um rodízio dos voluntários, para que todos tenham a oportunidade de passar por cada setor, e decidir entre eles.

Logo em seguida à mesa redonda, Livia Ribeiro e os graduandos Jean Trindade e Carolina França, ambos de Administração, apresentaram opções externas – como o programa da ONU com 45 ações no Brasil – e internas de voluntariado.

 

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