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O primeiro quadro compartilhado com outros olhares que não o seu remonta à residência, em 1996. O plantão, apesar de extremamente doloroso, estava tranquilo e ela recorreu à tela e ao giz para colocar para fora os sentimentos. Um paciente querido havia acabado de morrer depois de muito tempo em luta pela vida. Ao mostrar para o supervisor e outros médicos, viu a lágrima dar lugar ao sorriso. O fruto desta mudança está até hoje pendurado no Serviço de Doença Infecciosa do Hospital Antônio Pedro. Os anos passaram, mas entre os materiais espalhados na mesa para a confecção da próxima tela ainda estão o pincel, a tinta, além da pipeta, da agulha, da lâmina cirúrgica, da gaze. Combinação inusitada, mas muito dialógica em relação à artista por traz da criação: Otilia Lupi, infectologista do Laboratório de Doenças Febris Agudas, do Instituto Nacional de Infectologia, Fiocruz.

A médica formada pela UFRJ traz a sua mistura de ciência e arte para a Galeria La Salle no mês de novembro, com duas séries, uma de 2015 e outra deste ano, inspiradas nos vitrais do arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926). Em “Gaudianas”, o espectador é convidado a conhecer 33 obras de 21x29,7 cm, a maioria de acrílico sobre papel. Dez das produções estarão também disponíveis para venda – exceto cinco, já compradas apesar de expostas –, a preços que variam de R$ 500,00 a R$ 800,00. O dinheiro arrecadado será revertido para a creche Recanto da Criança Feliz, em Ramos.

Otilia, bastante procurada para dar entrevistas acerca dos vírus da dengue, zika e chikungunya, começou a pintar muito antes de decidir entrar na faculdade de Medicina. Com o passar dos anos, no entanto, o que era um “potencial hobby” se tornou algo bem maior, com ateliê, exposições, estudos na área. A graduação em filosofia fez as duas paixões casarem. “Passei a ter alguns questionamentos sobre liberdade, muito presente em meus trabalhos agora”, conta a artista de 45 anos. Na busca por este conceito, Otilia se coloca limites, o que, à primeira vista, parece contraditório. As cores que emprega em cada série, por exemplo, são sorteadas e ela precisa criar em cima daquela paleta de tons. “Acaba sendo um desafio, um exercício de composição. Tem muito do meu lado médica, de perseguir uma meta”.

As barreiras vão embora no momento em que cada tela é apreciada, o que aproxima as artes de suas inspirações, os vitrais de Galdí. “Os vitrais permitem que o tempo interfira, é ele que liberta de outros parâmetros. Para cada momento você terá uma obra diferente dependendo da incidência da luz, do ângulo”, explica, “Dentro de um todo com limites, a produção se torna infinita, também por conta do terceiro elemento que é o observador”.

Quem vê as telas prontas, talvez não imagine o processo de confecção. Por trabalhar durante mais de cinco anos em laboratório, enxergar uma semelhança entre a pipeta e o pincel – “se você comparar, o pincel é a pipeta que não está medindo, mas os dois se baseiam na tensão superficial” – foi quase que instantânea. Experimentou usar como instrumento e o resultado “acabou ficando bacana”. A partir do ano passado, a artista também optou por entrar na seara das reproduções, construindo primeiro uma base em camadas, para depois digitalizá-la e fazer nova pintura por cima. Nas “Gaudianas” de 2016, o trabalho é um pouco mais cirúrgico. Otilia escarifica o papel, com lâminas de bisturi, para então o suporte receber a tinta, processo similar a uma tatuagem. E, mais uma vez, emerge a mescla dos seus dois ramos, cuja conexão é explicada por Angelina Accetta, coordenadora da Galeria La Salle:

“Arte e Ciência são duas artes e duas ciências. Duas artes porque utilizam a capacidade criativa e imaginativa no seu desenvolvimento. Duas ciências porque pesquisam processos, realizam-se sob métodos, buscam uma resposta, refletem o pensamento humano. Dessa forma, a Galeria traz a artista e cientista Otilia Lupi com o objetivo de percebermos que a arte e a ciência se entrelaçam nas manifestações do ato criativo”.

A inauguração da mostra será no próximo dia 7, segunda-feira, às 18h. No mesmo dia e horário, o espaço cultural do Unilasalle-RJ sedia o lançamento de livros infantis, em uma noite de autógrafos. A Varanda Cultural recebe Marcio Malta (“Poleiros”), Tiburcio (“Gino&Polaco: O caso Aníbal”; “Gino&Polaco: Flores para Marte”), Marcelo Santos e André Felippe (“Dudu e o FlaxFlu”), no Café Cultural. 

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