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Coreia do Sul. Na cidade de 70 mil habitantes, o lixo das casas segue por rede de túneis subterrâneos para estações de tratamento. Os carros possuem chips conectados a uma central, que detecta se muitos farão percurso semelhante, evitando engarrafamentos. China. Em 2050 serão 1,12 bilhão de habitantes em áreas urbanas. O país já se prepara, com energia renovável, emissão zero de carbono e tratamento da água. Dubai. Projetada para ser totalmente sustentável, conta também com um sistema de transporte elétrico operando no subsolo. Esses foram alguns dos exemplos citados pelo Irmão Jardelino Menegat, reitor do Unilasalle-RJ, acerca das cidades inteligentes, tema de palestra organizada pelo CTSMART. O centro de tecnologia criado em 2015 por três professores de Sistemas de Informação – Robson Hilario da Silva, Márcia Sadok e Fábio Barreto – conta com a parceria do centro universitário para fazer de Niterói uma Smart Citie.

Convidado a dar abertura ao evento, Menegat opinou sobre “as cidades de um futuro próximo”, vendo a possibilidade delas não só “armazenarem e transmitirem informações para suas populações” como também “serem capazes de formar uma ideia a respeito de si mesmas, uma espécie de consciência do seu estado atual”. E se o nome da palestra é “A universidade conectada às cidades inteligentes”, os espaços acadêmicos não poderiam ficar de fora das mudanças: “A universidade é o espaço de geração de conhecimento, de onde deve brotar toda esta inovação tecnológica. Ela precisa se conectar com as empresas e com o governo para que ambos sejam inteligentes”.

Ao todo, 84 alunos marcaram presença no Centro de Convenções Irmão Amadeu, recém-inaugurado. O encontro do dia 21 de outubro, sexta-feira, teve como palestrantes os empresários Fábio Toledo, Marcelo Roque e Thiago Peixoto. Com mais de 20 anos de experiência nas áreas de Smart Home, Citie e Grid, Toledo abriu as falas individuais que antecederam uma mesa redonda. Em seu tempo de 45 minutos, deu explicações acerca do tema Smart Grid, também chamada de rede elétrica inteligente, por “gerar e distribuir energia de maneira mais efetiva, econômica, segura e de forma sustentável”. 

A partir de conexões entre diversas fontes espaçadas, evitam-se sobrecargas e quedas de energia. Os consumidores são restabelecidos automaticamente em um evento inevitável, como a batida de um carro no poste, por exemplo. Para isso, “ferramentas inovadoras, tecnologias, produtos e serviços são integrados desde a geração, passando pela transmissão e chegando aos eletroeletrônicos em cada casa”. Todo um processo no qual ninguém pensa ao ligar o celular para carregar na tomada, conforme disse o executivo a um dos alunos na plateia, em tom descontraído. 

Muitos jornais já apontam a novidade como mais impactante às nações do que a 1ª Revolução Industrial e Toledo apontou os motivos: “A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) avalia como motivadores para a implantação das redes inteligentes no país a melhora na qualidade do serviço, a redução das perdas e a redução do pico do sistema, já que temos 120% da capacidade de um transformador entre 17h30 e 20h30 e 10% nos outros horários. Eu adicionaria ainda uma outra necessidade: empoderar o consumidor, fazê-lo vigiar quanto consome de energia, dá-lo a possibilidade de gerir seus gastos e não chegar em dezembro com uma conta de luz de R$ 800,00 inadimplente”.

Este “empoderamento” é realidade na África do Sul, onde a população tem acesso à energia pré-paga. Funciona de forma similar à telefonia móvel por aqui, através de um cartão com recarga dos créditos. “Outro exemplo é a Alemanha”, completou o empresário, “um display liga e desliga todas as tomadas da sua casa automaticamente. Há ainda a possibilidade de programar e projetar o consumo. A mesma coisa na Inglaterra, com o diferencial interessante de luzes verde, amarela e vermelha aparecerem como em um semáforo, mostrando quão grande é o consumo”. 

Bem antes de escrever livros técnicos na área, Fábio Toledo foi jovem aprendiz de eletricista em uma concessionária de energia elétrica carioca. Talvez não imaginasse que sairia como Superintende de Tecnologia e Inovação, quando iniciou lá sua carreira aos 14 anos. Na mesma idade, Marcelo Roque começou a programar. Aos 15 passou “a ganhar dinheiro com isso” e, aos 19, fundou a FINXI Tecnologia, quando estava no 2º período da UFF. Em uma apresentação divertida, com direito a diversas piadas (“No mundo do Harry Potter eu sou da Sonserina, não que eu seja mal, eu sou muito bonzinho, mas eu não gosto da Grifinólia”), Roque deu dicas valiosas para quem quer empreender na área.

“Éramos mais um no mercado, sem experiência e com pouco dinheiro, como todo mundo no início. Na época passava a se ouvir falar de smartphone no país, deviam existir só umas cinco empresas desenvolvendo para esses aparelhos e queríamos ser uma delas. Fomos atrás da pesquisa. Trabalhamos com realidade aumentada, a primeira a ser publicada a nível internacional da Apple Store. Aquilo que você vê hoje sendo utilizado no Pókemon Go, desenvolvemos há seis anos e vendemos para a TV Globo”, recordou.

Foi o impulso necessário para várias portas abrirem. Em determinado momento, no entanto, o negócio esbarrou em um problema: a equipe tinha muito conhecimento técnico, mas não entendia praticamente nada de gestão. Correu atrás de “sábios” neste quesito, mas acabaram embarcando em “visões que não eram nossas”. A FINXI Tecnologia perdeu a identidade e todos pediram demissão. “Perguntei para mim mesmo qual era o nosso propósito. Ganhar dinheiro não é difícil, a questão é o que está por trás dele, por trás do contracheque. Qual o valor real agregado?”, questionou-se Roque. Nesta busca, reuniu a antiga equipe, distribuiu cartolinas, pediu para todos desenharem o que gostariam de ser enquanto empresa. A resposta “gerar impacto para pessoas e negócios” veio em conjunto.

Ao encontrar a essência, o empreendedor partiu do “Por quê?” (qual o motivo para desempenhar aquela função), passando ao “Como?” (atividades chaves para se chegar ao fim) para alcançar o “O quê?” (tarefa desempenhada), um caminho chamado de “Círculo Dourado” pelo consultor britânico Simon Sinek. Segundo Roque, empresas com grande potencial de inovação, como a Apple (Por quê? = quer representar as pessoas que desafiam o status quo. Como?= lançando produtos de qualidade. O quê? Iphone) seguem esta lição por entenderem que o público se identifica com propósitos e não com fins.

“Empresa tem que ser essa máquina que entende gente, que trabalha e desenvolve gente para que gente e propósito entreguem resultado”, concluiu. Em 2010, quando Marcelo Roque vendeu seu primeiro projeto para a Globo, quem comprou a ideia foi Thiago Peixoto, então funcionário de Engenharia e Inovação da emissora. Diretor de inovação do CTSMART e mentor de startups no programa Inovativa do Governo Federal, Peixoto reencontrou o amigo no palco, durante a palestra de sexta-feira. Ele encerrou a noite encarregado de desvendar as cidades inteligentes e, assim como Roque, citou os seres humanos:

“Quando você fala em Smart CitiesSmart GridIoT (Internet das Coisas), você sempre pensa na tecnologia. Mas a verdadeira conectividade está nas pessoas”, esclareceu, “Dentre as várias definições, a que eu mais gosto é a do Parlamento Europeu, que diz: ‘Smart Cities são sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais e serviços para catalisar o financiamento econômico e melhoria da qualidade de vida’. As pessoas são citadas duas vezes, uma explicitamente e outra quando se soma ao conceito a ideia de ‘qualidade de vida’, que só existe se for para seres humanos”. 

Essas cidades não têm engarrafamento, são sustentáveis, eficientes energeticamente, automatizadas, mas, ao mesmo tempo, são mais humanas, com cidadãos protagonistas. Segundo Peixoto, a dificuldade observada hoje para a implantação delas é a cultura existente de “separar as coisas e brigar pelo que é de nossa responsabilidade”. “Os stakeholders (investidores, espaços de coworking, incubadoras, aceleradoras, startups, população, escolas, universidades, governo) não se falam ou quando se falam são linguagens diferentes, uma não entende a outra”, revelou.

Dinâmica feita durante a programação de “A universidade conectada às cidades inteligentes” ajudou a revelar na prática esta falta de comunicação. Os alunos foram convidados a se dividirem em quatro times: Poder Público; Poder Privado; Poder Acadêmico; e Poder Social para montarem uma cidade inteligente, com cada um elencando três características indispensáveis dentro do seu poder através de hashtags. Um, no entanto, não conversou com o outro para usarem juntos as 12 peças disponíveis.

 

 

Peixoto trouxe ainda outros exemplos do problema ao Centro de Convenções Irmão Amadeu, vindos da Índia e de Londres. No país da Ásia Meridional, o primeiro ministro lançou um plano para a implantação de 100 cidades inteligentes. A primeira já não deu certo devido a um embargo ambiental, demonstrando uma falta de conexão entre as próprias autoridades. Enquanto isso, em um subúrbio da capital inglesa, o governo atraiu empresas de fora, mas não previu a gentrificação. Companhias grandes como a Intel passaram a ocupar o espaço, mas a população local, composta de artistas, acabou expulsa de sua região, pois o custo de vida subiu muito.

O CTSMART entra neste panorama exposto por Thiago Peixoto com a tarefa de unir as diferentes partes interessadas, evitando desencontros. Criado como um grupo de reuniões sobre cidades inteligentes, geração distribuída, big data, internet das coisas, o hoje centro de TI já possui planejamento estratégico, clientes (Unilasalle-RJ, prefeitura e sociedade niteroiense, empresas de energia) e objetivo: “Ser um instituto de excelência em tecnologia, educação, pesquisa e inovação para o desenvolvimento humano, respeitando sua dignidade e individualidade, disseminando e compartilhando conhecimento por meio da formação continuada”.

NITERÓI INTELIGENTE

E uma Niterói inteligente é possível? A pergunta foi uma das que o trio de palestrantes respondeu na mesa redonda logo seguinte às falas. Enquanto Fábio Toledo elencou pontos fortes da cidade (renda per capta, iniciativas de startup, existência de universidade públicas e particulares de peso), Marcelo Roque fez uma demonstração. “Levanta a mão aí quem fez parte do Poder Privado na dinâmica. Agora do Poder Público. Agora do Poder Acadêmico. Agora do Poder Social”, pediu para logo em seguida concluir, “Estão todos aqui, temos tudo o que é preciso”. 

 

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