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2010. A 25 km de Porto Príncipe, um terremoto de 7 graus de magnitude assola o Haiti provocando uma onda emigratória que, por diversos fatores, faz o Brasil ser o principal destino de nova morada. 2015. O fluxo migratório de sírios buscando escapar da guerra instaurada no país atinge níveis alarmantes de 7,5 milhões de pessoas em fuga, de acordo com a ONU. Os dois casos colocaram em pauta um assunto no mundo: a imigração, tema da Aula Inaugural 2016.2 do curso de Relações Internacionais. João Carlos Jarochinski Silva, coordenador de RI da Universidade Federal de Roraima (UFRR), ministrou, na última terça-feira, palestra com enfoque na inserção do Brasil neste contexto. 

A desconstrução de falácias marcou a fala de Jarochinski, sendo inevitável comentar um dos assuntos mais polêmicos envolvendo as propostas de Donald Trump. Imbuído do discurso de “imigração zero”, em comício no mês de agosto, o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos afirmou que se eleito construiria um muro na fronteira sul do país, e seriam os próprios mexicanos a pagar a conta. “Vocês acreditam nesta política? Dá para fazer?”, questionou o palestrante, “No caso dos EUA, um país com muitos recursos, não é possível. E mais, será que é interessante para um país ter imigração zero? Tira só os irregulares dos EUA e você verá o caos em diversos atendimentos, nos setores básicos da economia. Trabalhamos em uma perspectiva de mais de 15 milhões de imigrantes irregulares”.

Para Jarochinski, é preciso também levar em consideração que não se trata apenas de imigrantes laborais no país, os que buscam trabalho, mas também de estudantes em intercâmbio, cursando pós-graduação, e até pessoas que se conhecem pelas redes sociais e querem ir constituir uma vida ao lado do companheiro, a chamada “Love Migration”. Outro argumento a ser analisado com cautela é o de que estrangeiro ocupa vagas de emprego dos nativos.

“Segundo dados, até 2050 será necessário para a manutenção da economia europeia, 50 milhões de imigrantes. O próprio bem-estar social europeu depende disso. Um liberal por excelência não tem motivo para ter fronteira. Se não há fronteira para bem, capital, serviço, por que para o trabalhador?”, incitou João Carlos Jarochinski afirmando se tratar de um discurso meramente político, para angariar eleitores.

Na situação do Haiti, não faltaram oportunidades para estrangeiros e locais. Boa parte dos imigrantes conseguiu emprego na construção civil, por conta das grandes obras envolvendo Copa e Olimpíadas, mas também em setores não mais procurados por grupos que tradicionalmente ocupavam estas posições. No Sul, por exemplo, eles preencheram vagas em frigoríferos, aos poucos deixados de lado pelos gaúchos devido às consequências do serviço mecânico repetitivo e ao crescimento econômico da época, com mercado aquecido. Tocando na questão do Haiti, o coordenador na UFRR derrubou outro mito, o de que a presença das Forças Armadas brasileiras naquele país foi o principal fator para atravessar a fronteira pelo Peru.

“Os locais imigratórios tradicionais dos haitianos eram EUA e França. Em 2008 chega a crise, além das políticas restritivas de acesso aos migrantes a partir dela. Enquanto isso, o Brasil aparece na primeira década do século XXI como um país emergente, em crescimento. Eles têm uma tradição de mais de 150 anos de migração e viram uma perspectiva, se você não consegue mais as rotas tradicionais, busca outras opções. Os haitianos estão fazendo isso agora com a crise no Brasil, saindo daqui para o Chile”, esclareceu.

Em seguida, o palestrante traçou o panorama brasileiro da imigração, mostrando duas realidades distintas. Se por um lado, a Lei dos Refugiados de 1997 é “avançada”, por outro, o Estatuto do Estrangeiro de 1980 “quase fala que é melhor se invadido por marcianos do que receber estrangeiros”.  “Na lei que instituiu o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) além das quatro hipóteses tradicionais de refúgio, todas relacionadas à perseguição, no Brasil há uma a mais: grave e generalizada violação dos direitos humanos. Então favorece o migrante. Já o Estatuto é pautado ainda naquela lógica de segurança nacional que vê migrante como ameaça. Nossa luta é para que ele seja atualizado”, distinguiu Jarochinski.

A Aula Inaugural ainda teve espaço para a distinção de alguns termos corriqueiros na vida de um internacionalista. O professor de Roraima definiu a palavra “refugiado”, que se refere ao migrante forçado segundo os quatro tipos de perseguição mais o critério de direitos humanos no caso brasileiro. Já a migração, apesar de pressupor voluntariedade deve ser analisada situação por situação. “O escolher muitas vezes passa pela necessidade. Vejo de perto imigrantes venezuelanos entrando aqui para comprar arroz e açúcar, o básico para sobreviver”.

Imigração qualificada e tráfico de pessoas foram também abordados por João Carlos Jarochinski Silva antes da abertura para as perguntas. 

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