Menu

Que “marravilha”! A expressão com o característico “r” enfatizado pelo sotaque já é conhecida dos brasileiros de outros carnavais, ou melhor, de outras les saisons (estações, em francês). Claude Troisgros a eternizou em programa de televisão, mas também para além dele. Afinal, no dia 10 de julho, o chef francês de projeção internacional estava ao vivo e a cores na Cozinha Experimental do Unilasalle-RJ, repetindo seu clássico bordão aos então alunos do projeto Energia do Sabor. Na prova final deles, o desafio era preparar releituras de clássicos da gastronomia brasileira para bancada de juízes com o gabarito de Claude Troisgros, mas também José Hugo Celidônio, um dos primeiros brasileiros a unir a culinária local com a francesa, e Silvia Paludo, chef paraense que é nome de destaque em Niterói. Depois da responsabilidade viria o reconhecimento. No dia 5 de setembro, a mesma turma elogiada por referências da gastronomia recebeu, diante de familiares e amigos, o certificado de conclusão do curso, junto dos concluintes do projeto Jovem Confeiteiro. Saiba nesta matéria como foi cada um desses momentos. 

Entre panelas e júri 

Troisgros caracterizou o trabalho dos jovens como “inacreditável”, “não só pela criatividade, mas por conseguirem colocar o que pensaram dentro dos pratos. Vocês encontraram um caminho diferente para a tradição brasileira e muito bem feito, muito bem temperado, o que eu acho incrível nos quatro pratos”. Dizendo-se impressionado, o chef fez questão de gravar uma live no stories do Instagram: “Esses são os alunos que estão finalizando o curso e vão entrar no mercado de trabalho. Fizeram uma apresentação baseada na comida brasileira, ‘marravilhosa’”. Celidônio aparece no vídeo de Claude Troisgros, há muito conhecido. Claude é filho de Pierre Troisgros, grande amigo do chef brasileiro. “Quem é este velho aqui?”, brincou José Hugo Celidônio, enquanto via a si mesmo no celular do francês.

 

Em tom descontraído durante toda a prova, Celidônio chegou a dizer na hora de comentar os pratos que não era fácil estar no júri. “Tem um fator que está atrapalhando o julgamento, que é a fome”, anunciou. As risadas marcantes infelizmente seriam ouvidas por apenas poucos meses depois daquela data. No dia 2 de setembro, após um mal-estar súbito em pizzaria na qual jantava, no Rio de Janeiro, o chef faleceu, aos 86 anos. Vicente Maia, que coordena a Escola de Gastronomia, lembrou com carinho da participação de Celidônio na prova dos jovens, durante sua fala na formatura do dia 5 de setembro. “Fica aqui minha homenagem para o Hugo Celidônio que infelizmente nos deixou. Ele e o Claude disseram que há muito tempo não viam a qualidade nos pratos como a que viram dos nossos jovens, nem mesmo em profissionais”, recordou.   

O júri no dia da prova foi ainda composto pela chef Silvia Paludo, por membros da Comunicação da Gas Natural Fenosa, Fernanda Amaral e Bianca Carillo, que patrocina o projeto, e pelo Irmão Jardelino Menegat, representando o Unilasalle-RJ. Juntos, eles elegeram como vencedor o grupo que fez releitura da feijoada. Dayanna Silva, Maiara Alves, Stefane Ferreira, Thayná Medeiros e Victor Felix receberam um kit de facas da Tramontina das mãos de Traigros. O espírito de união da equipe era perceptível mesmo antes do anúncio do resultado. Logo após apresentarem o prato, os integrantes do grupo se abraçaram, a maioria chorando. “Feijoada tem o feijão, as carnes, a laranja, a couve, a farofa... Paramos para pensar em uma forma em que pudéssemos reunir tudo, que fosse possível sentir o gosto da feijoada e ao mesmo ser algo leve. O elogio foi melhor do que ganhar, eu acho. Cada um pensa de um jeito, por isso saber que entramos em um consenso e que o resultado ficou bom é uma vitória”, celebrou Dayana Silva.  

 

O time preparou charutinhos de feijoada, acompanhados por pururuca de massa seca, farofa de batata baroa e um molho de laranja que conquistou os paladares da mesa julgadora. Confira abaixo cada prato com os comentários de Claude Troisgros:

REPAGINAÇÃO FEIJOADA:

CHARUTINHO DE FEIJOADA COM FAROFA DE BATATA BAROA, PURURUCA DE MASSA SECA E MOLHO DE LARANJA PRIMEIRO COLOCADO

Dayanna Silva, Maiara Alves, Stefane Ferreira, Thayná Medeiros e Victor Felix

"É a comida tradicional brasileira, repensada, organizada, mas está tudo aqui presente, sentimos tudo o que tem dentro de uma feijoada. Ingredientes que eu amo: farofa, feijão, carne seca, cachaça e dedo de moça. Felicidade de comer isso. Essa farofa de batata baroa é genial porque como biscoito fica fininha, não é massuda na boca, traz a crocância. A cachaça dá a acidez e levanta o astral de todo mundo aí. E a pimenta dedo de moça é a alegria que a gente precisa. Não tenho nenhuma crítica, está maravilhoso!"

 

REPAGINAÇÃO MOQUECA:

RISOTO DE MOQUECA - SEGUNDO COLOCADO

Gabriel Mota, Lincon Aguiar, Matheus Rodrigues e Matheus Soares

"Parabéns pela criatividade porque foi a primeira vez que eu vi um risoto de moqueca. Colocar a ideia para funcionar e com técnica é um pouco mais difícil. Por isso fiquei muito impressionado, nós comemos um risoto, al dente, e a moqueca está aí, o sabor está muito presente, a impressão que dá na boca é que estamos comendo a moqueca. A única coisinha, mas é muito sutil, de profissional para profissional basicamente, é que o camarão precisava de 30 segundos de cozimento a mais, acho que a frigideira precisaria estar um pouco mais quente. Outro detalhe, é que falamos na beleza, comemos sempre com os olhos, o camarão vir em cima do prato é lindo, mas cortá-lo com falta de apoio pode não ser uma coisa fácil de se fazer. No restaurante, poderia pular e gerar uma gafe".      

 

REPAGINAÇÃO BAIÃO DE DOIS:

BAIÃO DO MAR

Felipe dos Reis, Marcos Barbosa, Shetaley de Andrade e Vitória Medeiros

"O coentro está muito presente. É uma erva perigosa, que se você passa do ponto, entra na sua boca de uma maneira muito forte. Ela está aí, mas de forma suave, combina com o arroz. O camarão enrolado no presunto de parma é coisa de gênio também. São produtos totalmente diferentes, mas os dois se casam, se harmonizam de maneira perfeita. O único detalhe que eu poderia dizer, mas eu sei que não é fácil, pois estamos falando de um baião de dois, é a apresentação. No prato ele perde um pouco da sua elegância".

 

REPAGINAÇÃO ESCONDIDINHO:

ESCONDIDINHO À FRANCESA

Chrystian Amaral, Claudiane Queiroz, Kyanne Reis, Moysés Rodrigues e Robson Conceição

"Meu parceiro de 40 anos de trabalho se chama Batista e estamos abrindo um novo restaurante com ele, nesta pegada de comida brasileira com toque francês, como vocês fizeram, sendo que minha vida toda foi comida francesa com toque brasileiro. É o inverso. O escondidinho de vocês é uma ideia maravilhosa, servido à parte, desfiando o boeuf bourguignon, a carne bem cozida, macia. A cobertura, de aipim, deu textura. O cogumelo e a cenoura estavam muito bons também, bem cozido, bem temperado. O que me atrapalhou um pouco foi a cebola, ficou rançoso".

Depois de aprovados, a entrega dos diplomas 

Momentos felizes, conhecimento e comida resultaram na formatura do Projeto Energia do Sabor que foi realizada no início do mês de setembro e certificou a profissionalização de 19 jovens em Cozinheiros Internacionais. Em uma videoconferência, o reitor, Irmão Jardelino Menegat, saudou os alunos, professores e familiares presentes na solenidade: “A profissão que vocês escolheram pode trazer dinheiro, pode trazer uma qualidade de vida melhor, mas eu queria dizer que não é o dinheiro que ganhamos ou que gastamos que é o mais importante, mas principalmente o coração das pessoas que vocês vão marcar através desse trabalho”.  

 

A parceria entre o Unilasalle-RJ e a Gas Natural Fenosa já capacitou cinco turmas, contando com essa, e trouxe oportunidade de jovens com renda familiar de até três salários mínimos entrarem no mercado de trabalho. Na ocasião, também estavam presentes os 15 jovens que foram formados pelo Projeto Jovem Confeiteiro, uma parceria do Unilasalle-RJ com o Dia Solidário, associação sem fins lucrativos formada por funcionários da Gas Natural Fenosa de todo o mundo, que doam voluntariamente um dia de salário.

A gratidão dos alunos à Gas Natural Fenosa e ao Unilasalle-RJ foi citada nos discursos de Chrysthian Amaral e Victor Felix. Amaral fez referência à chef e professora Cris Gonzalez por seus ensinamentos: “Há pessoas que marcam a nossa vida, que despertam algo especial em nós, abrem nossos olhos de modo irreversível e transformam a nossa maneira de ver mundo. Você foi uma delas, Cris”. Já Felix, agradeceu à empresa patrocinadora e a considerou um agente de “desenvolvimento social”. “Creio que saímos hoje bem mais humanos e responsáveis, porque o que essa parceria deixou de mais importante é que o acreditar atrelado ao agir, é gerar excelentes resultados ou excelentes cozinheiros”, finalizou o agora chef de cozinha.

 

Mas o reconhecimento dos alunos não parou por aí, já que, de surpresa, a aluna Dayanna Cristinne Souza homenageou o chef Vicente Maia, professor e coordenador do curso. Maia esteve junto dos alunos desde a fase das entrevistas. “Hoje eu vim homenagear uma pessoa que foi crucial para todos nós, alunos. Foram muitas broncas, mas todas elas construtivas, que fizeram com que amadurecêssemos bastante. Ele fez com que conseguíssemos chegar até aqui, particularmente me deu muita confiança e, principalmente, fez eu voltar a sonhar”, desabafou a jovem chef.

 

O coordenador da Escola de Gastronomia afirmou que “não iria falar”, mas não perdeu a oportunidade de agradecer, após a insistência dos formandos. “Esse projeto às vezes dá força para mim e para a Cris, por conta da nossa rotina. Temos um volume muito grande de aula e de trabalho”, contou Maia, que ainda evidenciou o carinho pela turma e pelo projeto: “Eu sempre fico meio embargado, porque esses meninos chegam aqui, entre 150 e 180 candidatos, e nós ouvimos aquelas histórias durante três dias de entrevistas. Só eu e a Cris que podemos escolher, ficamos dividindo essa angústia e a dúvida de estar fazendo o certo ou não.  Os jovens nos agradecem, mas nós que temos que agradecer a eles, porque nós crescemos muito! Vocês foram uma turma especial, obrigado”!

 

Por Luiza Gould e Camila Reis (texto e fotos)

Ascom Unilasalle-RJ

Entre em Contato