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A portuguesa, natural da pequena aldeia de Estremadura em Montes d’Alcobaça, primeiro se apaixonou pelas agulhas e linhas. Como costureira desembarcou no Brasil, conheceu seu grande amor e fez do sonho do marido, morto oito anos depois de se casarem, uma paixão própria. E assim, Dona Henriqueta, junto com os filhos Alexandre e Marcelo, comanda a Gruta de Santo Antônio, há 40 anos. Quatro décadas de amor pela cozinha, pelos clientes e simplicidade. Seriam esses os segredos? Osmar Buzin, descendente de italiano, que desde os 8 anos dava duro na agricultura, dormindo em cima de sacos de batata em Sarandi, Rio Grande do Sul, nunca teve medo do trabalho e aponta esta como outra resposta possível à pergunta. O pouco estudo não o impediu de alçar voos altos, idealizando, em 2009, a Noi, referência em cerveja artesanal no estado do Rio. As terras cariocas também receberiam os irmãos gaúchos Roberto e Rudinei Paludo. Em 1987, eles tentavam buscar a vida na cidade grande. E conseguiram. Progredindo de cargo em cargo, na antiga churrascaria Porcão, eles deixaram para trás as funções iniciais de servir e arrumar mesas para abrir, em 1995, o primeiro de um total de cinco negócios bem estabelecidos em Niterói. As três trajetórias são apenas algumas das que marcaram a IV Feira Gastronômica do Unilasalle-RJ, este ano inspirada no tema “O nosso negócio é a gastronomia”.  

Foram três dias dedicados a palestras e workshops, em uma programação que se estendeu por 19 horas e 30 minutos de muitos sabores e saberes durante a Semana de La Salle. Os chefs Vicente Maia, Cris Gonzalez e o coordenador de Pós e Extensão Arthur Chrispino tinham nas mãos o desafio de organizar uma feira no momento em que o Unilasalle-RJ celebrava seus 15 anos. O resultado se deu com um centro universitário repleto entre 16 e 18 de maio. A crise e o boom de empreendedorismo na área gastronômica deram o insight para Maia costurar os eventos tendo como mote a comida enquanto opção de renda. “Começamos a ver um movimento de muitas pessoas procurando a universidade como forma de mudar de área ou acrescentar remuneração no orçamento familiar. Percebemos que os cursos comerciais estão muito em alta”, explicou o chef, “Queríamos mostrar aos nossos alunos como um negócio pode vir a dar certo”.

 

 

 

 

Nesta seara, teve espaço para técnicas de congelamento de alimentos, papo com mentora de carreira, gestão e inovação, fotografia e vídeo enquanto ferramentas para alavancar um negócio, organização de eventos gastronômicos, tecnologia de aplicativos, além, é claro, de muitas receitas, opções rápidas, fáceis e de baixo custo de produção. O destaque, no entanto, ficou por conta dos encontros com profissionais hoje estabilizados, com negócios bem-sucedidos em Niterói. Como eles começaram? Quais dificuldades enfrentaram? Qual dica podem dar a quem está aprendendo? Essas foram algumas das perguntas respondidas ao longo da semana, para a alegria de alunos como Richard Vitorino. O jovem de 19 anos é um dos integrantes do projeto “Energia do Sabor”, que juntamente com o “Jovem Confeiteiro”, forma dois alvos que a Feira Gastronômica buscou atingir. A proposta era divulgar os cursos de caráter social patrocinados pela Gas Natural Fenosa (CEG), apresentando as futuras promessas aos grandes nomes do mercado.

 

Para Vitorino, apesar do suor dispensado em prol do evento (com o pré-preparo de muitas receitas, acompanhamento de palestras e ainda venda dos seus produtos em barraquinha na Varanda Cultural), valeu a pena participar pela primeira vez: “Está sendo corrido, mas é uma oportunidade de aprender. Hoje mesmo, a nutricionista Fernanda Vaz apresentou informações importantes para quem vive a cozinha. Conhecer a história da Confeitaria Beira-Mar foi uma forma de pegar dicas para quem quer abrir e fazer crescer o seu próprio negócio, como eu. Realizo encomenda de doces, trufas e bolos na cidade onde eu moro, Rio Bonito, onde tento concretizar minha marca, a ‘Doces Plenus’”.   

Trabalhar o conceito da sua empresa foi um dos conselhos dados pelas irmãs Bianca e Bárbara Buzin (filhas de Osmar) e a prima Beatrice Signor, na palestra da Cervejaria Noi. A família contou de que forma passar a se preocupar com a imagem fez a aposta familiar dar um salto. Ao término do encontro, no dia 16, eles receberiam, como os demais homenageados, um prato de acrílico, desenvolvido pela artista niteroiense Beth Novaes. Com a lembrança nas mãos, o patriarca também deixou seu recado. “Não existe sucesso sem o trabalho e a preocupação com a qualidade dos produtos, que começa já na assepsia dos maquinários. Também é importante não desistir. Quando fui trabalhar em Três Corações dormia em cima de caixas de cerveja com ratazanas passando por baixo. É preciso ter uma meta e se esforçar por ela. Quero cada vez mais criar novas linhas de bebida, fazendo meu produto ser diversificado”, resumiu Osmar Buzin.

Ampliar já é uma realidade para o grupo Paludo. Em janeiro, eles inauguraram o quinto empreendimento na cidade. Denominado Queen Oceânico, o espaço foi idealizado para aproveitar o movimento projetado com a implantação do túnel Charitas-Cafubá. “Eu estava presente há dois anos no dia que fizeram a primeira detonação para dar início às obras. Olhei aquele projeto e percebi: ‘Isso vai mudar a geografia da cidade, temos que abrir uma casa na Região Oceânica’”, lembrou Rudinei Paludo, “Até então as pessoas pensavam duas vezes em sair da Zona Sul para lá por conta da distância, mas vi ali o timing certo para pesquisar e investir”.

O novo estabelecimento passa a ser um braço do Queen Pizza, o primeiro restaurante criado pelos irmãos e um primo, em 1995, que se mantém até hoje como importante ponto na memória afetiva dos niteroienses. Rudinei foi acompanhado em sua explanação por Philipe Musquini, uma contratação do grupo em 2010 com vistas à gestão profissional do negócio familiar. O palestrante frisou a necessidade de “trazer a administração para o mesmo nível da velocidade do trabalho”, solicitação que recebeu em seu primeiro dia de emprego, e relatou como se deu este processo no grupo: “Decidimos proteger os pilares produto, serviço e colaboradores, mas fazendo uma reestruturação. Passamos a medir a eficiência de tudo o que era feito, com centro de decisões, setor de Recursos Humanos, acerto de escalas, turnos, e criação de programas, dentre eles o que trazemos o MEC para a Paludo, em cursos de formação para alunos de Ensino Fundamental e Médio”. 

Some a esses ingredientes a humildade e terás uma casa portuguesa com bacalhoada para lá de boa, com certeza. Dona Henriqueta Henriques que o diga. Ela abriu a série de homenagens no primeiro dia da Feira passando uma valiosa lição: “Tem que ter muito amor à profissão e cozinhar para os outros como se fosse para você e seus filhos. A Gruta de Santo Antônio completa, em 5 de outubro, 40 anos, e nunca ouvi alguém denegrir a imagem da casa, por mais humilde que ela seja. Não é preciso ter cristais ou pratas no restaurante, é preciso amor e competência. Sempre inventamos moda, por isso tem o meu filho Alexandre, para pratos contemporâneos, mas mesmo ele diz que não se pode esquecer o tradicional, que ele herdou da mãe e eu herdei do meu marido”. E o discurso ultrapassa as palavras, se faz vivo na postura da mulher que aos 79 anos declara não ser grande empreendedora. “Meu filho é empreendedor, e reconheço a relevância. Você pode perder, mas também pode ganhar quando investe. Ficando parado, como se diz no ditado, o bicho vem e come”, completou a sábia.

     

MOMENTOS DE DESTAQUE

Confira agora falas colhidas durante alguns dos muitos momentos da IV Feira Gastronômica:

 

Inauguração da Cozinha de Confeitaria e Panificação

“Vivemos em um mundo com muito desperdício. Quem sabe através da Cozinha Experimental, dentro de um centro de educação, que é o nosso, nós possamos fazer a diferença, sabendo aproveitar todo o possível no preparo do alimento? Vocês vão aprender para posteriormente ensinar, e que seja dentro desta ótica” – Irmão Jardelino Menegat, reitor do Unilasalle-RJ, aos alunos do “Energia do Sabor”, “Jovem Confeiteiro” e “Chef de Cozinha”

“Quem sabe dentro da área da gastronômica também não possamos ter a dimensão da internacionalização? Vocês têm que sonhar esta possibilidade. Ao mesmo tempo, disse para os graduandos que não queremos só preparar pessoas como mão de obra, temos que preparar empreendedores e por que não podemos pensar o mesmo na gastronomia, com vocês criando seus próprios negócios?” – Irmão Jardelino Menegat, reitor do Unilasalle-RJ, aos alunos do “Energia do Sabor”, “Jovem Confeiteiro” e “Chef de Cozinha”

 

Palestra “Cenário da gastronomia e formação profissional pelo mundo"

 

 “Eu sempre brinco que eu também fui jovem, também precisei aprender, então nada melhor do que estar neste ambiente, de alegria, de jovens e talentos reunidos. Como já tenho algum tempo de experiência, estou há mais de 40 anos no ramo, o prazer é muito grande em dividir tudo o que assimilei até hoje, é o que eu mais prezo. Para a minha palestra, trouxe um pouco de três segmentos: a panificação, o processo e a evolução; o conceito da gastronomia; e termino com sobremesa. Trouxe muita informação com profissionalismo e carinho. É fundamental o jovem profissional transformar matéria-prima em valor agregado. Um quilo de farinha varia de R$ 2,00 a R$ 3,00, um quilo de produto acabado custa R$ 20, 30,00. Então depende de quem transforma a matéria-prima, sempre com muito respeito, concentração e credibilidade. E tudo é um negócio, se faz um produto bem feito e consegue-se sobreviver bem com ele. A tendência é cada vez mais a entrega de qualidade na transformação dos insumos” – Luiz Farias, da Academia Bunge (eleito o melhor chef pâtissier do mundo em 2016 pela Union Internacionale de La Boulangerie et Confiserie)

  

Workshop “Salada de Batata Alemã”

 

“Eu estou no Unilasalle-RJ há quatro anos, não todos os dias, todos os meses, mas participo dos projetos, dou aulas. Ano passado mesmo, na Semana Alemã, recebemos músicos de lá e eu dei workshops sobre a cozinha do meu país. Eu tinha ótima relação com o Irmão Ignácio, às vezes falávamos em alemão. Eu nasci na Alemanha e minha entrada na vida profissional foi aprendendo em hoteis e restaurantes a profissão de cozinheiro, durante quatro anos. Prestei lá meu serviço militar, onde o comandante me colocou para cozinhar para os oficiais, não precisava participar de treinamentos. Naquela época era moda, muitos jovens queriam sair da Alemanha para buscar novos horizontes, havia muitas greves e revoltas nos anos 1960. Eu ia para a Austrália, mas uma prima me convenceu a rumar para o Brasil, o país do futuro. Trabalhei no navio cargueiro para pagar minha passagem. Cheguei no cais e nunca mais saí daqui. No Brasil, fui chef do Copacabana Palace, Hotel Gória, Sociedade Hípica, Jockey Club, na aviação. Vivi situações engraçadas até me adaptar. Andava com um dicionário, mas não sabia o que significava pratos como bife à cavalo. Quando pediram, pensei que se tratava de algo relacionado ao animal, até descobrir que era a carne com dois ovos por cima. Se aprende na prática. Hoje estou aposentado, faço alguns almoços, jantares e passo o meu conhecimento. Eu acho que os chefs tem que fazer de tudo para passar o que sabem para a frente. Há muitos chefs que querem esconder a receita, o pulo de gato, eu sou totalmente contrário a isso. Dentro de uma unidade de ensino como esta tenho a oportunidade de mudar esse cenário. Os detalhes da cozinha não aparecem em vídeo da internet. Paladar, macete, temperatura, nada disso pode ser ensinado a distância, é preciso ser presencial” – Chef Harald Engelbart  

“Eu trabalho com buffet, então vim em busca de novidades. Meu pai é de Berlim, fugiu na Segunda Guerra Mundial para o Brasil, se estabilizando no Sul até vir para o Rio. São muitas histórias. Ele perdeu um dedo roubando maçã porque era criança e estava refugiado dentro do navio. Na nossa alimentação diária, a comida alemã da minha mãe, ensinada pela minha avó, era uma presença certa. Eu conhecia, no entanto, uma outra versão da salada de batatas, um prato frio, com atum, ovos. A do Harald é mais cremosa, dá para ser colocada em uma receita de buffet tranquilamente” – Sabrina Krause, 38 anos, visitante

“Eu fiz curso, a minha paixão é a gastronomia, procuro participar de todos os workshops possíveis para me atualizar e conquistar meu lugar no mercado” – Thais França, 31 anos, nutricionista e visitante  

 

Workshop “Hambúrguer e Molhos Especiais”

“Trabalho em gastronomia há 20 anos e sempre autei com negócios de food service. É um campo enorme, com centenas de possibilidades. Hoje a rede de food service é a segunda maior empregadora do país, e a número um em iniciativas de empreendedorismo. O hambúrguer artesanal é feito sempre de forma manual, um a um. O industrial usa de subterfúgios da Engenharia de Produção para fazer grandes produções de alimentos com o auxílio de máquinas. A indústria usa a matéria-prima mais barata para conseguir fazer o melhor produto dentro do possível, mantendo uma escala de lucratividade. Em vez de usar leite integral, eles usam refugo de leite, por exemplo. No artesanal, usamos todos os insumos de melhor qualidade para gerar um hambúrguer mais condizente com o que é comida de verdade” – Chef Igor Barreto

“A origem do hambúrguer remete ao Oriente, no qual os navegantes alemães passaram e viram como os moradores da região cortavam a carne de segunda para temperar melhor e servir crua, quase como um tartar. Só que o tartar veio dos povos tártaros que colocavam as carnes embaixo das celas para amaciar. Os alemães colocaram na chapa e cozinharam. Passando pelos Estados Unidos, os americanos também curtiram e introduziram o pão” – Chef Rodrigo Kossatz

“Apesar da minha profissão, sempre fui um apaixonado por cozinha, por preparar pratos para os meus amigos. Como observamos esta crescente de interesse pela gastronomia, eu tenho me interessado mais em aprender técnicas diferentes. Vim para agregar conhecimento ao que já faço em casa. Cada cozinheiro tem o seu toque, então os molhos do Kossatz, o ponto da carne do Igor, tudo é um jeito novo. Já participei também do workshop de Salada de Batata Alemã, amanhã estou na Harmonização com Vinhos, só não vou no de Cerveja, sendo que sou sommelier, porque não tinha mais vaga. Os chefs que estão dando as aulas são fenomenais. Meu pai fez pós em gastronomia aqui, então já conhecia de nome, mas ter aula com esses caras é outra experiência. O fato de ser aberto, gratuito, o pessoal ter acesso a este tipo de informação é bem bacana” – Pedro Rogério Mello de Souza, 33 anos, dentista e visitante

 

Workshop “Harmonizações com Cerveja”

“Estamos vindo numa onda de gourmetização, mas eu pego o fluxo contrário disso, minha ideia é tirar a cabeça de fora da caixa, cozinhar com liberdade total. Receita tem no Google, nos livros da Ana Maria Braga, da Palmirinha, da Ofélia, mas a vantagem dos workshops é pegar a técnica, dicas de como cortar, que faca usar, os temperos. O que importa na comida é o sabor, queremos comida gostosa” – Chef Jimmy Mcmanys, jurado de quadros no programa “Mais Você”

 

Workshop Coxinha Gourmet

“Nossa missão enquanto professores é levar o inédito, o saboroso, o nutritivo, a ousadia e a irreverência carioca. Eu sou capixaba, mas adoro isso aqui. Vim para cá adolescente, e acabei ficando. Sou formada em museologia, biologia e gastronomia. A gastronomia surgiu para mim quando tive contato com a equipe pedagógica do Museu do Índio e comecei a estudar a questão da alimentação, os aspectos formadores da base alimentar do guarani no Rio de Janeiro. Fui compor, posteriormente, o quadro de consultores e formadores de futuros cozinheiros no Terceiro Comando Aéreo Regional do Rio. Dali, caí na Marinha e fui fazendo não só treinamento de pessoal como formação de cardápios, nutrição dos integrantes de navio. Quando recebi o convite para a feira, fui informada de que seria interessante trazer uma culinária rápida, que vendesse muito na cidade. Imediatamente pensei na coxinha, pela questão da comida de boteco. Porém, eu gosto da preparação um pouco mais light. Estamos vivendo um momento de aumento da obesidade no mundo, da preocupação com o aproveitamento integral de alimentos de uma cozinha. A criação da coxinha foi uma lembrança que eu tinha de uma cofeitaria próxima da UFF. A coxinha era no osso, passada numa espécie de massa e frita. Fiz uma reestruturação, tirando o ovo, diminuindo a gordura. Pela estrutura não é preciso óleo, na fritadeira ela não desmonta. A grande dica é aproveitar o arroz que sobrou, a farofa do Natal, como recheio. A quantidade de carboidrato é menor, de proteína é maior e de nutrientes também” – Chef Hélida Camoleze    

 

Workshop “Brigadeiro de Creme Brulée”

 

“Há quatro anos passei a trabalhar com doces, quando o meu filho nasceu. Eu faço pão de mel, brigadeiro, bolos com pasta americana. Preparei para o primeiro aniversário dele e todo mundo gostou. As pessoas começaram a perguntar e comecei a vender também. Meu foco é o ramo infantil. Não conhecia o creme brulée, é uma opção diferente para o brigadeiro tradicional das festas. Usei o maçarico pela primeira vez, sempre achei um efeito bonito, mas nunca tinha tido a oportunidade. Vou poder empregar sem medo agora” Daiane Oliveira, 31 anos, confeiteira caseira e visitante   

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