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Luiz Rodrigo morava nas ruas de Niterói. Com 31 anos, deu entrada em hospital público da cidade, a partir do auxílio da Pastoral de Rua, vindo a óbito pouco tempo depois por causa até agora desconhecida. Médicos dão uma versão, enfermeiros outra. Voluntários do grupo que o acolheu alegam descaso, incluindo demora no atendimento e alta sem Luiz ter as condições de saúde necessárias. Entre muitas dúvidas e pouca informação, o caso contado durante o lançamento do novo livro de Luiz Antônio Ricci parece representar na prática o que bispo auxiliar do município veio explicar na teoria: a mistanásia. Também chamado de eutanásia social, o termo se refere à morte miserável, fora e antes de seu tempo.  É o fim da vida advindo da violência, da dependência química, do suicídio, da poluição, do analfabetismo, do trânsito. “Geralmente, é a morte do pobre, resultado de uma vida precária, com pouca ou nenhuma qualidade”, sintetizou o religioso na noite do dia 5 de outubro.

O tema, estudado por ele em pós-doutorado, se transformou no livro “Morte social: mistanásia e bioética” (Editora Paulus), apresentado ao público e autografado na Varanda Cultural. O espaço é uma extensão da Galeria La Salle, citada pelo Irmão Jardelino Menegat, reitor do Unilasalle-RJ, na abertura do evento: “A Galeria tem sido um local para a sensibilização das pessoas, pela arte, cultura, mas também pela espiritualidade. Este ano, de alunos, professores e convidados já passamos de dez livros lançados. Estamos muito felizes de agora poder receber o arcebispo e o bispo auxiliar”. Em outro momento, o reitor classificou a instituição como um espaço de evangelização, possuindo uma “capela pequena, acolhedora”, mas que reúne o principal, “os fiéis”, na sua interpretação “a grande catedral” de qualquer povoado.

“Hoje nos falta a escuta. As pessoas necessitam ser ouvidas e poucas se dispõe a escutar. Nos falta também a valorização da dimensão espiritual, o bem viver, o se respeitar, se cuidar, para além da oração. Nós zelamos por estas características, junto da qualidade de ensino”, assegurou Menegat. Ele foi um dos integrantes da mesa montada para a solenidade, ao lado do arcebispo de Niterói, Dom José Francisco, e de Ricci. Como autor da obra, o bispo auxiliar explicou, durante 40 minutos, os conceitos estudados, sendo crítico, quando necessário, com a omissão da sociedade. “Nós somos responsáveis por essas vidas miseráveis e breves, mesmo que de forma indireta, mas perfeitamente consciente. Não é tão palatável ouvir isso, mas é necessário, pois a sociedade, na pessoa de cada um de nós, se omite, abandona o outro”, assegurou, lembrando ainda da origem da palavra mistanásia. O ano era 1989, e o criador, o padre Márcio Fabri dos Anjos, responsável por contrapor o novo conceito ao de eutanásia, a prática de abreviação da vida diante do sofrimento.  

Defendendo que tanto a vida quanto a morte devem ser revestidos de dignidade, Luiz Antonio Ricci apontou a bioética como um caminho para a mudança, enquanto “ação afirmativa, para corrigir o sistema e impedir ou evitar as mortes evitáveis e precoces”. A ética entra em cena diante das implicações do falecimento não natural, adjetivado. “Articulada com a mística, uma contribuição latinoamericana, a bioética pode permitir um parto feliz de novo paradigma civilizacional, capaz de conservar a vida”, explicou o bispo, aproximando a solução do âmbito espiritual, “É na luz da fé que nós estabelecemos critérios de avaliação, escolhas e ações concretas”. Seja no dia a dia, ou na esfera das fronteiras e tecnologias, Ricci foi enfático ao classificar o bioeticista brasileiro como aquele que “ouve outras vozes, evitando o isolamento, sendo pilar e ponte”.

 

Celebração eucarística      

A discussão em torno da mistanásia se deu na Semana em Defesa da Vida, celebrada de 1º a 7 de outubro, e antes do Dia do Nascituro, comemorado no dia 8 do mesmo mês. Ambas as datas fizeram parte da homilia de Dom José Francisco na missa que precedeu o lançamento do livro. “São muitos os motivos para louvar e bendizer a Deus no mês do rosário, mês em que celebramos os 300 anos do encontro da imagem da Senhora Aparecida, nas águas do rio Paraíba”, recordou, “Na Semana Nacional da Vida queremos rezar, refletir e defendê-la desde o momento de sua concepção até o seu ocaso natural. A acolhida de Luiz Antônio Ricci neste ambiente acadêmico dialoga com a importância de militarmos por este dom divino, por amor a Deus e também aos nossos irmãos”.

O Evangelho daquela tarde de quinta-feira dialogava com outro mote de outubro para a Igreja católica: as missões. Como Jesus envia 72 discípulos, dois a dois, “a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10, 1-12), assim também os fiéis de 2017 anos depois são chamados a serem missionários. “Queremos estar não só tendo a experiência do reino de Deus, mas ainda anunciar que este reino se faz presente entre nós. Que o lançamento da obra de Ricci seja mais um sinal do reino”, concluiu o arcebispo. A celebração eucarística foi cocelebrada pelo bispo auxiliar e por Dom Alano Maria Pena, arcebispo emérito de Niterói. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Luiza Gould 

Fotos de Beatriz Siqueira

Ascom Unilasalle-RJ

 

 

 

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