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As tiras de chita a pender do teto eram dobradas e guardadas, uma a uma. As obras, retiradas da parede, ganhavam cuidadosamente a mala do carro, justapostas para preservar a sobreposição de chitas, rendas e flores a criar faces expressivas femininas em diversos quadros. O livro, com as 460 assinaturas de visitantes, deixava o seu púlpito revestido de tecido e repleto de tons. E, assim, com a chegada do mês de maio, Sobrepele se despediu da Galeria La Salle na última quinta-feira, dia 11, mas a coordenadora Angelina Accetta ainda planejava emoções para Aline Costa Miguel. Na véspera das cenas descritas, a artista foi convidada a ministrar workshop sobre sua arte na Varanda Cultural, tendo como alunos, por uma noite, os discentes do curso de Pedagogia.

Angelina explica a escolha por um “Arte ao Ar Livre” com as cores do trabalho de Aline a partir de uma passagem do pintor, escultor e artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980): “A arte pertence à coletividade”. “A criação sai neste momento das mãos de sua inventora para chegar às do público, já imbuído de um olhar sobre as obras”, sublinha Angelina, “Buscamos na Galeria uma curadoria educativa que abrigue metodologia de leitura da imagem, posterior contextualização histórica, de vida, culminando, finalmente, com a prática”. 

Não faltou mão na massa na noite do dia 10, com resultados suoreendentes para a própria artista. O workshop teve início com uma explanação de Aline sobre os vários estágios de seu trabalho, cada um deles fotografado e compartilhado com a turma de 5º período. As imagens mostravam como que, camada por camada, flores, faixas de chita e mistura de estampas ganhavam forma em sua técnica de colagem têxtil. Em seguida, foi a vez de desafiá-los: “A proposta era que trouxessem um metro de chita, colassem uma parte na cartolina e, o que sobrasse, trocassem com os amigos, para cada um usar vários tecidos diferentes. Também pedi para separarem outros elementos, enriquecendo o trabalho, como renda e botões. Alguns trouxeram purpurina, lantejoulas. Foram além do exercício proposto porque criaram de forma livre”, avalia Aline.

 

Ao invés da cartolina com uma única estampa de chita, a atividade findou com alunos tendo orgulho de expor móbili com miçangas de coração, a futura base de um jogo americano,uma espécie de colcha de retalhos, pedaços de tecido recortados no formato da mão e dispostos no papel. Destaque também para “uma aluna que trouxe linho bem rústico, com trama aberta, cortou a silhueta de uma mulher e, aplicou as cores da chita na cabeça da figura feminina, como um turbante, costurando”. A arte que chamou a atenção de Aline é de autoria de Luciene Santiago, 48 anos.

Para a futura pedagoga, Sobrepele dialoga com a profissão escolhida porque “o professor precisa ser sensível. Se você o é ao olhar para uma obra como esta, se espera que seja também no respeito ao outro”. Luciene ainda traça paralelos entre o mote por trás dos quadros e o reconhecimento de um mundo belo pela sua pluralidade, pelas diferenças entre nós. “Foi interessante ver o recebimento das estampas, como uma aceitava a outra. Nos reunimos, dividimos material, nos divertimos. Para fazer uma arte é preciso estar bem consigo mesmo e senti isso no Arte ao Ar Livre”, compartilha.

 

A aluna teve contato pela primeira vez com a chita na escola. Ela tinha por volta de 12 anos, quando a professora confeccionou saia e tiara de chita para as meninas se apresentarem ao som de Clara Nunes em um clube da cidade. A época era difícil na economia do país, “com as pessoas fazendo fila nos supermercados para conseguir comprar feijão”. O fato de ser um tecido barato motivou a escolha do pano naquela época e, também, hoje em dia: “Moro perto de praia e, por conta da maresia, tudo desgasta mais rapidamente. Por ser um preço mais acessível, compro muita chita para forrar almofadas, cadeiras, tendo a possibilidade de trocar várias vezes”.  

A também apaixonada pela fazenda Aline Costa Miguel, se emociona ao ouvir depoimentos como esse, afinal, são momentos de “resgate da infância”. “Todos nós somos criativos, mas desenvolvemos mais ou menos esta característica a partir das nossas relações, das nossas histórias. O momento de criação para mim é o contato com o divino. Você trás de volta sua criança interior que é podada pelas regras da sociedade, pelos deveres, afazeres, ela é adormecida. Foi muito bom ver uma qualidade tão importante emergindo naquela turma”, finaliza a artista, já ansiosa para retornar à Galeria. 

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